Idoneidade moral na OAB: quem pode (ou não) se tornar advogado? Conselheiro federal esclarece

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Marcos César Gonçalves

Marília Costa e Silva

Garantir que apenas profissionais éticos e comprometidos integrem os quadros da advocacia é um dos principais desafios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por isso, além de ser aprovado no Exame de Ordem, ao se inscrever aos quadros da entidade, o candidato passa pela análise da sua idoneidade moral. Quais critérios são levados em consideração para deferir o registro na Ordem?  Para responder a essa e outras questões, o Rota Jurídica entrevistou o conselheiro federal por Goiás, Marcos César Gonçalves, que é professor universitário e um dos sócios do GMPR Advogados.

Marcos César integra a 1ª Câmara do Conselho Federal, que tem entre suas competências, a análise de recursos relacionados à inscrição nos quadros da Ordem. Ele conta que em março o colegiado tinha 24 processos em pauta. Desses, 14 tratavam da inidoneidade moral para ingresso na OAB. Ele afirma que em todos os casos julgados, foram mantidas decisões que declararam a inidoneidade moral dos candidatos, cujos motivos eram diversos.

Entre as ações em pauta no CF, Marcos César aponta que se destacam casos de violência contra a mulher, violência contra crianças e adolescentes, além de violência contra pessoas LGBTI+. “Essa realidade reforça a importância de que o candidato à advocacia seja ético, probo, íntegro e honesto”, frisa o conselheiro.

Confira a íntegra da entrevista:

Rota Jurídica: Quais são os critérios utilizados para avaliar a idoneidade moral dos candidatos? Existem parâmetros objetivos ou a análise é feita caso a caso, com base na gravidade e natureza das condutas?

Marcos César Gonçalves: A análise envolve critérios objetivos e subjetivos. O critério objetivo diz respeito à existência de condenação criminal: se a pessoa foi condenada, a regra geral é considerá-la inidônea. Já o critério subjetivo leva em conta a repercussão da conduta. Se o ato cometido fere a dignidade da advocacia, pode ser considerado suficiente para declarar a inidoneidade.

RJ: Em casos em que o candidato já cumpriu pena ou passou por processo de reabilitação, como a Câmara analisa esse histórico? A reabilitação pode anular uma declaração de inidoneidade moral?

MCG: Sim, em regra, a reabilitação judicial permite que o candidato volte a integrar a OAB. O interessado pode solicitar a reabilitação um ano após cumprir pena administrativa e, no caso de condenação criminal, após a reabilitação criminal. No entanto, se a repercussão do ato ainda for muito negativa, a OAB pode negar o pedido.

RJ: O senhor poderia citar jurisprudências ou decisões paradigmáticas que servem como referência para novos julgamentos sobre o tema?

MCG: Sim. O Conselho Federal da OAB disponibiliza jurisprudências e súmulas que orientam esses julgamentos. Destaco as Súmulas 09, 10 e 11, que tratam de crimes contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e integrantes da comunidade LGBTI+.

RJ: A OAB recebe denúncias de terceiros (como ONGs, instituições ou vítimas) sobre a conduta moral de candidatos? Como essas informações são apuradas no processo de inscrição?

MCG: Sim, qualquer pessoa pode apresentar informações que levantem suspeitas sobre a idoneidade de um candidato. Normalmente, a análise é feita com base nas certidões criminais exigidas no momento da inscrição. Mas, caso surjam outras informações, é aberto um processo administrativo, garantindo o direito ao contraditório e à ampla defesa.

RJ: Como se dá a publicidade dessas decisões? Os candidatos têm direito à ampla defesa e contraditório ao longo do processo?

MCG: Não. Os processos disciplinares da OAB tramitam sob sigilo, com acesso restrito às partes e seus advogados. Entretanto, o direito ao contraditório e à ampla defesa é assegurado em todas as fases.

RJ: Há um perfil mais comum entre os candidatos considerados inidôneos? Quais tipos de crimes ou condutas aparecem com mais frequência?

MCG: Não há um perfil específico, mas certos crimes aparecem com mais frequência, como crimes contra a administração pública, tráfico de drogas e, mais recentemente, violência contra mulheres e crianças.

RJ: Na sua avaliação, o que poderia ser feito nas faculdades de Direito para reforçar, desde cedo, a formação ética dos futuros profissionais?

MCG: É essencial que as instituições alertem os alunos sobre a importância de manter uma conduta ética. Eu defendo a inclusão da disciplina Deontologia na Advocacia nos currículos e a realização de campanhas de conscientização sobre o impacto da vida privada na carreira profissional.

RJ: Como o senhor avalia o impacto dessas decisões na imagem institucional da OAB e na confiança da sociedade na advocacia?

MCG: Existe um duplo impacto: por um lado, quando um advogado é considerado inidôneo, a imagem da classe pode ser prejudicada. Por outro, a punição demonstra que a OAB se preocupa em manter seus quadros éticos e comprometidos com a moralidade. Essa fiscalização é indispensável para a credibilidade da profissão.

RJ: A OAB dialoga com outras instituições para avaliar candidatos?

MCG: Sim, a OAB mantém contato com órgãos como o Ministério Público e o Judiciário para obter e fornecer informações sobre a conduta de candidatos que tenham histórico de crimes ou infrações graves.

RJ: A OAB também atua na prevenção, além da punição?

MCG: Sim. Há campanhas permanentes sobre ética profissional, com palestras ministradas por juízes do Tribunal de Ética e Disciplina, professores da Escola Superior de Advocacia (ESA) e membros da Comissão da Advocacia Jovem (CAJ). Essas iniciativas ocorrem tanto na OAB quanto em universidades.

A exigência de idoneidade moral continua sendo um pilar fundamental para a OAB, garantindo que a advocacia mantenha sua credibilidade e compromisso com a ética.