A valoração da prova constitui um dos pontos mais sensíveis e determinantes do processo penal. Embora o modelo da livre valoração da prova tenha suplantado o sistema da prova tarifada, o novo paradigma permanece tensionado por duas correntes fundamentais: a concepção persuasiva (ou subjetiva) e a concepção racionalista (ou objetiva). Ambas coexistem em disputas doutrinárias e práticas judiciais, mas apresentam profundas diferenças no modo como tratam os elementos que estruturam o processo decisório penal, especialmente no que se refere ao conceito de fato provado, ao princípio da imediação, à motivação das decisões e ao regime recursal em matéria de fatos.
Fato provado: crença ou justificação?
Na concepção persuasiva, um fato é considerado provado quando o juiz está convencido de sua veracidade. A prova busca, pois, persuadir o julgador, sendo o convencimento um fenômeno puramente interno, subjetivo e incontrolável. O juiz é visto como um sujeito infalível, e sua convicção, uma verdade autossuficiente.
Em contraste, a concepção racionalista entende que o fato só pode ser considerado provado quando o convencimento é justificado por razões objetivas, submetidas à lógica e ao controle intersubjetivo. O juiz deve apresentar, em sua motivação, os critérios racionais que o levaram àquela conclusão, permitindo o exame crítico da decisão.
Imediação: experiência ou controle?
Para a perspectiva persuasiva, a imediação assume papel central como fundamento do convencimento subjetivo. É o contato direto com as partes e as provas que legitima a decisão. Nesse cenário, a figura do juiz que viu e ouviu pessoalmente ganha contornos sacralizados, servindo de obstáculo ao reexame fático por instâncias superiores.
A racionalidade probatória, no entanto, não despreza a imediação, mas a compreende como elemento empírico a ser traduzido em discurso argumentativo. Considera a imediação como princípio da participação do juiz na prática da prova, mas não impede seja valorada por terceiros. A valoração ocorre sobre aspectos que dependem da percepção do juiz (vídeo da audiência, por exemplo) e sobre aspectos que dependem das inferências. As inferências sempre podem ser reavaliadas ou controladas se houver motivação sobre o raciocínio probatório realizado pelo juiz.
Ausência de motivação sobre fatos: silêncio ou desvio?
A concepção persuasiva convive pacificamente com a ausência de motivação quanto a determinados fatos. Uma vez convencido, o juiz pode julgar mesmo sem se manifestar sobre todos os elementos probatórios, porque a prova serve apenas para formar sua convicção pessoal.
A visão racionalista, por sua vez, repudia essa prática. Exige-se motivação específica sobre todos os fatos relevantes, e a omissão é vista como desvio decisório. A prova não serve apenas para formar convicções, mas para construir decisões controláveis, que permitam verificação lógica e revisão institucional.
Recursos em Matéria de Fatos: Vedação ou Garantia?
Na lógica persuasiva, como o convencimento é pessoal e intransferível, não há espaço para revisão fática pelas instâncias superiores. A impugnação quanto a fatos é limitada, pois o juiz de primeiro grau seria o único apto a valorar a prova.
A concepção racionalista rompe com esse fechamento. Ao transformar o convencimento em discurso argumentativo, a possibilidade de revisão se abre amplamente. O recurso não se limita ao direito, mas alcança também os fatos, permitindo a correção de erros e o aprimoramento da justiça penal.
Conclusão
A concepção racional da prova representa um avanço significativo dentro do sistema do livre convencimento motivado, pois amplia os instrumentos de verificação, controle e crítica da decisão judicial. Todavia, é imprescindível reconhecer que as concepções persuasiva e racional não devem ser mescladas, sob pena de se instaurar uma incoerência metodológica que compromete as garantias processuais. Elas se excluem mutuamente, uma vez que partem de paradigmas inconciliáveis sobre a função do juiz e o papel da prova no processo penal. Nesse cenário, é a concepção racionalista que melhor concretiza os objetivos da jurisdição penal, ao exigir decisões pautadas na racionalidade, sujeitas ao controle argumentativo e voltadas à efetiva proteção dos direitos fundamentais.