O Informativo nº 0846 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicado em 8 de abril de 2025, apresenta importantes decisões recentes que impactam diretamente a aplicação e interpretação da legislação penal brasileira. Entre os principais julgados, destacam-se discussões acerca da exigência do dolo específico no crime de prevaricação, da necessidade de provas materiais em delitos relacionados ao tráfico de drogas, da autonomia de crimes cometidos em contexto de violência doméstica, da utilização correta do habeas corpus para revisar acordos penais, e da classificação de violações no monitoramento eletrônico como falta grave.
Prevaricação: necessidade do dolo específico para a configuração do crime (AgRg no AREsp 2.693.820-SP)
A Quinta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no AREsp 2.693.820-SP, definiu que a prevaricação exige dolo específico de satisfazer interesse pessoal do agente público, não bastando mera negligência ou desídia. Neste caso específico, delegados foram inicialmente condenados por não tomarem providências em investigações, não incinerarem drogas apreendidas nem destinarem adequadamente armas e munições.
Contudo, a decisão do STJ afastou a condenação diante da ausência de provas concretas de que os réus agiram com objetivo de satisfazer interesse pessoal específico, esclarecendo que situações de comodismo ou negligência não configuram o crime sem o elemento subjetivo especial exigido pelo Código Penal.
Tráfico de drogas: prints de redes sociais não comprovam materialidade (AgRg no HC 977.266-RN)
No julgamento do AgRg no HC 977.266-RN, a Quinta Turma ressaltou a ilegalidade da condenação por tráfico de drogas fundamentada exclusivamente em prints de redes sociais e mensagens eletrônicas, sem apreensão física dos entorpecentes. O réu, apesar de confessar envolvimento em tráfico, não teve drogas apreendidas durante a investigação.
A decisão destaca a imprescindibilidade da prova material para a comprovação do delito, alinhando-se à jurisprudência do tribunal, que protege direitos fundamentais ao exigir rigor probatório nos crimes de tráfico.
Violência doméstica: crimes autônomos e inaplicabilidade da consunção (Processo em segredo de justiça)
A Sexta Turma, analisando processo em segredo de justiça, esclareceu que os crimes de violação de domicílio e lesão corporal em contexto de violência doméstica devem ser julgados de maneira autônoma, sem aplicação do princípio da consunção. Segundo o julgamento, ambos os delitos protegem bens jurídicos distintos e essenciais à proteção da vítima.
A decisão enfatiza a importância da tutela específica contra a violência doméstica e de gênero, contribuindo para um enfrentamento mais efetivo e rigoroso, de acordo com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006).
Revisão do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): inadequação do habeas corpus (RHC 184.507-MT)
No RHC 184.507-MT, a Sexta Turma reiterou que o habeas corpus não é instrumento adequado para revisão das condições impostas em ANPP. A defesa havia recorrido por meio de habeas corpus questionando cláusula de reparação de danos proposta pelo Ministério Público.
O entendimento é de que a revisão dessas condições deve ocorrer via recursos administrativos específicos, garantindo a eficiência e celeridade do sistema de justiça penal e evitando a banalização do habeas corpus.
Monitoramento eletrônico: violação do perímetro como falta grave (ProAfR no REsp 1.981.264-RS e REsp 1.988.727-RS)
A Terceira Seção, nos recursos repetitivos REsp 1.981.264-RS e REsp 1.988.727-RS, firmou entendimento de que o descumprimento do perímetro estabelecido por tornozeleira eletrônica constitui falta grave conforme a Lei de Execução Penal. Essa uniformização visa garantir segurança jurídica e melhor controle das medidas cautelares impostas aos apenados.
Essa decisão reforça o rigor no cumprimento das penas alternativas, destacando a relevância da observância estrita das condições estabelecidas para o monitoramento eletrônico, consolidando a orientação jurisprudencial do tribunal.
Conclusão
O Informativo nº 0846 do STJ apresenta cinco julgados relevantes, abordando temas como o dolo específico na prevaricação, a necessidade de apreensão física em crimes de tráfico, a autonomia dos crimes praticados em contexto de violência doméstica, a utilização racional do habeas corpus em acordos penais e a importância da observância das regras no monitoramento eletrônico.