A defesa das magistradas Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva e Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), afirmou ao Rota Jurídica que as decisões que motivaram a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — por terem impedido, em 2023, o acesso de uma adolescente de 13 anos ao aborto legal após estupro — foram tomadas com base nas provas constantes dos autos. Para o advogado Dyogo Crosa, o PAD será uma oportunidade de demonstrar que não houve qualquer ilicitude funcional.
Segundo o defensor, que representa as magistradas, as decisões foram pautadas em elementos concretos do processo. “Elas estavam no direito de decidir daquela forma, com base em laudos médicos e manifestações das partes envolvidas, que não traziam certeza sobre a prática da violência e nem sobre a própria vontade da adolescente, que alternava. Por isso, entenderam, naquele momento, que era cauteloso agir daquela forma”, afirmou. “Isso está longe de configurar infração administrativa. O PAD permitirá corrigir essa injustiça”, frisou.
A instauração do processo disciplinar foi decidida pelo CNJ em sessão realizada na última sexta-feira (16), sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso. Por maioria, o plenário determinou o afastamento cautelar da juíza Maria do Socorro da titularidade do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia. Ela deverá atuar, temporariamente, em outra unidade. Já a desembargadora Doraci Lamar responderá ao PAD sem afastamento de suas funções jurisdicionais.
O caso
A adolescente, grávida de 18 semanas, procurou atendimento médico para realizar aborto legal após ter sido vítima de estupro. O hospital, no entanto, condicionou o procedimento à autorização judicial. Ao analisar o pedido, a juíza Maria do Socorro autorizou a interrupção da gestação, mas proibiu a indução da morte fetal — o que, segundo os protocolos médicos, inviabilizava a realização do aborto.
Diante disso, o pai da adolescente, autor da ação, recorreu da decisão, alegando risco à saúde da menor. O recurso foi analisado pela desembargadora Doraci Lamar, que suspendeu a autorização até julgamento definitivo. A situação levou a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) a impetrar habeas corpus. Em decisão liminar, a então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, assegurou o direito da adolescente ao aborto legal, conforme previsto na legislação brasileira.
Representação
A representação que deu origem ao PAD foi protocolada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). O secretário da entidade em Goiás, Vitor Albuquerque, afirmou que o afastamento da juíza é necessário diante de condutas reiteradas em casos semelhantes. “Crianças e adolescentes acabam sendo duplamente violentadas — primeiro pelo agressor e, depois, pelo Estado, ao negar a elas um direito legalmente garantido”, declarou.
O TJGO, por sua vez, informou que o processo tramita sob sigilo e que, por esse motivo, não pode se manifestar.