Conselho Federal da OAB afasta a possibilidade de inversão do ônus da prova em processo ético-disciplinar

O Órgão Especial do Conselho Federal da OAB decidiu que nos processos ético-disciplinares não se aplica a técnica da inversão do ônus da prova, como previsto, por exemplo, no Código de Processo Civil (art. 373, II). A decisão foi tomada no julgamento do Recurso n. 25.0000.2021.000104-7/OEP, na sessão do dia 18 passado.

No caso, uma advogada foi acusada de ter sido contratada para interpor recurso administrativo em face de multa de trânsito aplicada ao cliente, sendo pagos honorários advocatícios parciais de R$ 600,00. No entanto, não teria havido a prestação dos serviços profissionais contratados, nem a devolução dos honorários parciais adiantados.

Síldilon Maia Thomaz do Nascimento

A advogada foi então condenada pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) por locupletamento e outras infrações disciplinares (art. 34, IX, XX e XXI, Lei 8906/1994) à suspensão do exercício profissional pelo prazo de 60 dias e multa de 1 anuidade.

Ao recorrer para o Conselho Federal da OAB, a advogada alegou que a contratação teria a finalidade de uma simples consulta e análise do caso, não havendo a obrigatoriedade de interposição de recurso administrativo pretendido pelo cliente.

Ao julgar o recurso, a 2ª Turma da 2ª Câmara do Conselho Federal da OAB manteve a condenação ao fundamento de que competiria à advogada comprovar que a contratação se deu na forma alegada, qual seja, que os honorários pagos eram apenas para consulta e análise do caso e não para a interposição de recuso administrativo, já que não havia a existência de contrato escrito, acarretando a inversão do ônus da prova.

Em novo recurso interposto pela advogada para o Órgão Especial do Conselho Federal da OAB, o conselheiro federal pelo Estado do Rio Grande do Norte (RN), Síldilon Maia Thomaz do Nascimento, conheceu e deu provimento ao recurso para afastar a inversão do ônus da prova e julgar improcedente a representação, que foi acompanhado pela maioria dos julgadores.

Roberto Serra da Silva Maia

Em seus fundamentos, Síldilon entendeu que “a prova da culpa tem que ser sempre produzida de forma positiva, não sendo possível a adoção de nenhuma técnica de inversão do ônus da prova ou quaisquer ficções jurídicas de presunção de culpa”.

Para reforçar seu voto, Síldilon citou artigo do conselheiro federal por Goiás, Roberto Serra da Silva Maia, publicado no “jus.com.br”, intitulado “Eles, os juízes do TED, visto por um juiz do TED”, no qual o autor concluiu que “o juiz deverá compreender que não poderá haver presunção de culpa”.

No texto, Roberto Serra continua afirmando que “a Constituição Federal estabelece o princípio da ‘presunção de inocência’ como um postulado que está relacionado ao tratamento do imputado, sendo, pois, um preceito fundante, em torno do qual é construído todo o processo ético-disciplinar até o seu trânsito em julgado, envolvendo todos os graus de jurisdição do sistema OAB”.

Ao final, a proposta de ementa do julgamento ficou assim redigida:

“A RECOMENDAÇÃO DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS DE FORMA ESCRITA, FEITA PELO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB, NÃO AUTORIZA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO JULGAMENTO DE INFRAÇÃO ÉTICO-DISCIPLINAR. 1 – Embora o art. 48, caput, do Código de Ética e Disciplina da OAB recomende a celebração de contrato de prestação de serviços advocatícios de forma escrita, a inobservância de tal recomendação não autoriza a inversão do ônus da prova no processo disciplinar. 2 – O juízo condenatório depende sempre de uma produção de prova positiva (art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988; e art. 8, 2, ‘g’, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica) 3 – O Direito Sancionador brasileiro não admite nenhuma forma de presunção de culpa, seja por meio do uso do direito ao silêncio em interrogatório, seja por meio da inversão do ônus da prova, seja através de qualquer outra ficção jurídica. A inexistência de prova, a sua insuficiência ou a dúvida somente podem conduzir a um julgamento absolutório, eis que a única presunção possível é de inocência (art. 68 do Estatuto da Advocacia e da OAB; e arts. 186, parágrafo único, e 386, II, V e VII, do Código de Processo Penal). 4 – ‘Não haverá culpa por presunção nem responsabilidade ético-disciplinar por mera suspeita’ (Roberto Serra da Silva Maia, Conselheiro Federal da OAB)” (Órgão Especial do Conselho Federal da OAB, Recurso n. 25.0000.2021.000104-7/OEP, Red. Cons. Fed. Síldilon Maia Thomaz do Nascimento, julgado em 18.6.2024).