Com vaga disponível, Estado não pode recusar nomeação de aprovado em cadastro de reserva

Mesmo que integre o chamado “cadastro de reserva”, o candidato aprovado em todas as etapas do concurso público têm direito à nomeação no caso de vacância das vagas oferecidas desde a abertura do certame. Dessa forma, atenta ao princípio da boa-fé da administração pública, a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), em entendimento unânime, acompanhou voto do desembargador-relator Itamar de Lima e concedeu a segurança ao impetrante Welsimar Ferreira Soares. Ele foi aprovado em 49º lugar no concurso para escrivão de polícia de 3ª Classe em Aparecida de Goiânia, e figurava como único candidato no “cadastro de reserva”. Para o relator, o “cadastro de reserva” não tem previsão jurídica e representa uma “criação fictícia” da administração pública.

O desembargador Itamar de Lima foi o relator do caso na Corte Especial
O desembargador Itamar de Lima foi o relator do caso na Corte Especial do TJGO

O desembargador constatou que além do impetrante estar na lista de aprovados, atender todos os requisitos mínimos previstos no edital e ser o único do cadastro de reserva, houve a demonstração incontestável da vacância de cinco vagas das 36 previstas para o certame, bem como da necessidade da administração pública no preenchimento do cargo. “Tal determinação via judicial não implica, absolutamente, em qualquer ingerência do Judiciário na Administração, tampouco qualquer interferência na discricionariedade administrativa”, realçou.

Ao fazer uma ampla explanação sobre a evolução jurisprudencial no que tange ao tema, Itamar de Lima lembrou os princípios fundamentais para o legítimo ingresso do cidadão na administração pública, constantes da própria Constituição Federal (artigo 37, inciso II): igualdade, moralidade administrativa e competição. Especificamente sobre os concursos públicos, o desembargador lembrou que não existe uma lei que rege a matéria. “Não há – e essa é uma omissão legislativa que precisa ser sanada – uma lei específica sobre concursos públicos. Isso faz com que as seleções variem de cargo para cargo sem padronização específica, de forma, por exemplo, que um concurso para analista de um determinado Tribunal tenha matérias e fases distintas em outro Tribunal no qual e encontre em disputa cargo de idêntica categoria”, ponderou.

Outro aspecto apontado pelo relator que, a seu ver, é motivo de grandes controvérsias, reside no fato de que anteriormente existia o entendimento de que a aprovação em concurso público não geraria para o candidato direito subjetivo à nomeação, uma vez que estaria restrito à mera expectativa de direito. Ele explicou que esse raciocínio, utilizado como argumento pela Administração Pública e antes prevalecente também na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), partia do princípio de que o ato de nomeação deveria ser discricionário, ou seja, somente praticado quando houvesse conveniência e oportunidae.

Contudo, pontuou que após a CF (art. 37, inciso IV), que preceitua que durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, o candidato aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego na carreira, bem como a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre a abertura de novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado, passou a emergir um novo posicionamento nesse sentido. “Os Tribunais Pátrios começaram a reconhecer que há preterição daquele candidato que, apesar de aprovado dentro do número de vagas oferecidas no edital, não é nomeado, embora haja contratação de mão de obra precária (comissionado/temporário/terceirizado) para exercer as mesmas funções para as quais o aprovado estaria habilitado”, enfatizou, baseando-se em julgados do STF.

Boa-fé e cadastro de reserva
Dentro desse contexto evolutivo acerca da temática, Itamar de Lima aponta o Recurso Extraordinário (RE nº 598.099) do STF, no qual é reconhecida a repercussão geral da matéria, chamando a atenção da administração pública para a necessária observância da boa-fé no trato com os concursos públicos. “O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da administração pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também a garantia fundamental da plena efetividade dos princípios do concurso público”, ressaltou, conforme entendimento jurisprudencial do STF (RE 598099, Relator: min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011).

Quanto ao cadastro de reserva, o desembargador é enfático em afirmar sua inexistência jurídica. “Se a pontuação obtida é suficiente e o candidato encontra-se habilitado conforme as regras do edital, ele está apto ao ingresso no cargo para o qual concorreu. De nada adiantaria definir regras legais para os concursos se a administração pública pudesse simplesmente deixar de nomear aprovados, repetindo sucessivamente o certame até que os selecionados atendessem às querenças do agente administrativo para a nomeação”, assegurou, seguindo lição do jurista Luciano Ferraz.

De acordo como ele, enquanto a Corte Suprema não se pronuncia de forma definitiva quanto à matéria, os Tribunais têm se manifestado também sobre o reconhecimento de que a mera expectativa de direito do candidato ser nomeado, mesmo incluso no cadastro de reserva, se transforma em direito certo a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, surjam vagas pela desistência dos candidatos nomeados ou por necessidade administração, ou ainda quando há contratação de pessoal, de forma precária, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função.

“Não se admite, por absoluta falta de lógica, a ideia de que a administração realize despesa e cobre por inscrições para fazer um concurso público de formação de cadastro de reserva apenas para, durante seu prazo de validade, ter uma lista dos melhores candidatos somente por tê-la e, uma vez cessada a validade, descartá-la por falta de serventia. Parece-me óbvio, portanto, que a formação de cadastro de reserva tem por finalidade configurar uma lista de mão de obra disponível para que, por economia e eficiência, no momento em que advir a necessidade pública, os candidatos em espera possam ser convocados sem a necessidade de instauração do novo certame”, evidenciou, desta vez, utilizando-se de julgado do Superior Tribunal de Justiça (MS 19.369/DF, Rel. ministra Eliana Calmon p Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, primeira Seção, julgado em 26 de agosto de 2015).

Para Itamar de Lima, embora seja discricionário à administração pública determinar a abertura do concurso, ao fazê-lo encontra-se vinculada à nomeação dos candidatos. De acordo com ele, trata-se de atendimento ao próprio interesse público, já que é a administração que necessita do preenchimento dos cargos vagos a fim de fazer cumprir a contento os serviços que devem ser prestados à população. “Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da administração pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos”, asseverou.

Responsabilidade fiscal
Na opinião de Itamar, o argumento referente a questões de natureza orçamentária utilizado pelo Estado para justificar a impossibilidade de contratação não procede, pois o concurso público caracteriza-se como uma das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93 e deve seguir as regras ali contidas. “Para a abertura de concurso público devem estar preenchidas tantas normas de responsabilidade fiscal, é de se esperar que a nomeação sobrevenha sem qualquer prejuízo ao orçamento público. Até porque, a contratação em questão não suplanta o número de vagas inicialmente previsto, para a qual havia, por certo, a dita previsão orçamentária, afinal, as condições financeiras para a criação do cargo foram previamente aferidas no processo legislativo. Ainda se faz necessário acrescer que, mesmo em algumas circunstâncias se possa invocar a existência de limites prudenciais como vetores suficientes para impedir novas contratações, é evidente que áreas como segurança – hipótese aqui tratada –, saúde e educação não esbarram em tais limites dada a supremacia dos interesses a elas relacionados”, ponderou.

Ao fazer uma análise apurada do caso, Itamar de Lima constatou o direito líquido e certo do impetrante para tomar posse no cargo e indicou vários elementos probatórios que amparam o pleito inicial, como cópia do Edital nº 1, de 25 de outubro de 2012, que prevê a existência de 32 vagas ao cargo de escrivão de polícia de 3ª Classe do Estado de Goiás, na cidade de Aparecida de Goiânia; a sua ficha de desempenho que atesta o êxito em todas as etapas do concurso, inclusive no curso de formação, estando dentro no cadastro de reserva por meio de decisão judicial.

O desembargador citou também o ofício expedido em 21 de março de 2014 pelo Setor de Recursos Humanos da Polícia Civil do Estado de Goiás informando que houve um acréscimo de 10% nas vagas originariamente oferecidas, totalizando 36 vagas, e ainda que foram nomeados 34 candidatos para exercer, em caráter definitivo, o referido cargo. O resultado final apresentado deixa claro que o impetrante era o único incluso no cadastro de reserva; e o ofício expedido em 20 de outubro de 2014 pelo delegado geral adjunto da Polícia Civil de Goiás informa que restaram cinco vagas ociosas. Fonte: TJGO