Autorização de uso da chamada pílula do câncer não é consenso no Judiciário

Da Redação

Conhecida como “pílula do câncer”, a substância fosfoetanolamina tem gerado grande movimentação no Direito da Saúde devido ao seu uso no tratamento de pacientes oncológicos. Diante da suposta capacidade de destruir tumores malignos, muitos recorrem ao Poder Judiciário para obter liminar autorizando o fornecimento do composto pela Universidade de São Paulo (USP), responsável pela sua produção. Porém, ainda não há consenso, por parte dos juízes, quanto à autorização do uso do medicamento.

No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), por exemplo, duas decisões recentes tiveram entendimento divergente quanto ao uso do medicamento. Em uma delas, o juiz substituto em segundo grau Wilson Safatle Faiad concedeu liminar para determinar que a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES) forneça o medicamento experimental a uma mulher, portadora de câncer no ovário.

Na decisão, o magistrado frisou que a mulher encontra-se acometida por grave doença, causando-lhe intenso sofrimento físico e psicológico. “Sendo que sua última esperança de obter melhor qualidade de vida é mediante a dispensação do medicamento em debate”, afirmou o magistrado.

ricardo mendonça
Advogado Ricardo Mendonça, especialista em direito médico.

Já em outra decisão, o juiz substituto em segundo grau Marcus da Costa Ferreira, em substituição na 6ª Câmara Cível do TJGO, indeferiu pedido de uma mulher que pleiteava o fornecimento da substância. Em seu entendimento, o Estado de Goiás não pode ser obrigado a fornecer Fosfoetanolamina Sintética, uma vez que a substância não possui registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo salienta Ferreira em sua decisão, a Fosfoetanolamina Sintética não se trata de medicamento propriamente dito, possível de ser comprado por qualquer pessoa que seja, nem mesmo pelo ente público, mas sim de testes laboratoriais realizados pela Universidade de São Paulo (USP). “A USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos”, endossou sua decisão.

Prescrição

O advogado especialista em direito médico Ricardo Mendonça alerta que a substância não passou pelas fases exigidas para ser considerada medicamento e, por isso, não pode haver prescrição médica, sob pena de infração ética.  “Embora não tenha registro na literatura médica e farmacológica acerca da eficácia, eficiência, efetividade e segurança na utilização desta substância, há relatos informais de pacientes que, através de exames comparativos, verificaram evolução positiva no tratamento. Mesmo assim, é preciso ressaltar que a fosfoetanolamina não passou oficialmente pelas etapas de pesquisa determinadas pela legislação”, pontua Mendonça.

Para se obter o registro de medicamento junto à Anvisa e ser usado por seres humanos, o advogado explica que é necessário passar por uma série de estudos rigorosos. “Infelizmente, a fosfoetanolamina não foi submetida a este processo. No mesmo sentido, desconhecidos são os efeitos de sua utilização aos diversos casos oncológicos, sobretudo os eventos colaterais do uso prolongado dessa substância, a dosagem ideal e as evidências médicas do caso clínico concreto. Vale lembrar que a distinção entre um veneno e um remédio é apenas a dose ingerida”, orienta.

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, editou uma portaria instituindo um grupo de trabalho para fazer os devidos estudos da substância e apresentar um relatório final ao Ministério. Ricardo Mendonça defende a iniciativa: “Este é o caminho correto à promoção de saúde pública eficaz e segura, já que a imposição judicial de fornecimento de uma substância química de efeitos desconhecidos à doença pode acarretar prejuízos irreversíveis ao paciente”, diz.

Parecer
Na última terça-feira, 05/01, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, solicitou informações ao Instituto Nacional de Câncer (Inca) sobre a eficácia da fosfoetanolamina para tratamento de câncer. Segundo a decisão do ministro, faltam dados sobre a segurança da substância para a saúde dos pacientes. O parecer deverá ser enviado em até 15 dias.

Na ação, a USP pede a suspensão de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que trata do fornecimento da fosfoetanolamina. A universidade alega que se trata de substância sem registro no Brasil ou em outros países, que não foi alvo de testes observando a legislação local, sendo possível que seu uso traga lesão à saúde do paciente interessado, ante a ausência de estudos sobre sua toxidade. A USP também alega lesão à ordem pública e administrativa, uma vez que não teria estrutura física ou sanitária para a produção da substância conforme exigido.

Em seu despacho, Lewandowski considerou os riscos da fosfoetanolamina sem os devidos estudos. “Como se nota, está em jogo a obrigatoriedade e, até mesmo, a possibilidade ou não de o Poder Judiciário determinar o fornecimento de substância que, além de não possuir registro na Anvisa, sequer foi objeto de estudos com o fim de que se avaliem os riscos de seu uso contínuo à saúde humana”, escreveu o ministro. (Vinícius Braga)

Com informações do TJGO