Ausência de denúncias é o maior obstáculo para coibir o tráfico de pessoas, diz Cardozo

A ausência de denúncias sobre o tráfico de pessoas dificulta o enfrentamento desse tipo de crime, disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante o lançamento da pesquisa Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira no Brasil, na sexta-feira (18). O ministro classificou a prática como subterrânea, devido à dificuldade de verificar a sua ocorrência.

“O crime do tráfico de pessoas é o que eu poderia chamar de crime subterrâneo. É um crime difícil de detectar e que dificulta profundamente as autoridades policiais e os órgãos de investigação e de repressão do Estado de poderem atuar”, disse Cardozo.

O ministro também ressaltou que a dificuldade na obtenção de dados está relacionada à cultura permissiva nesse tipo de crime, o que leva à pouca notificação dos casos. “Esta pesquisa dentre vários aspectos nos mostra, por exemplo, a existência, especialmente nos estados de fronteira, de uma cultura permissiva, de uma cultura que parece ditar ser normal que as pessoas possam ser traficadas”, declarou. “Também a ausência de denúncias se prende à vergonha das vítimas e das famílias em não querer dizer que sofreram esses atos ilícitos”, completou o ministro.

Cardozo ressaltou que, muitas vezes, a vergonha das pessoas que são traficadas ainda é a maior dificuldade enfrentada pelo governo na hora de estabelecer políticas que coíbam esse tipo de crime.

O levantamento, feito pela primeira vez na região de fronteira, abrangendo 11 estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Roraima, Rondônia e Santa Catarina), constatou que as pessoas geralmente são traficadas para fins de exploração sexual e trabalho escravo. Também detectou, situações como pessoas traficadas para a prática de mendicância e de crianças e adolescentes para servidão doméstica.

A pesquisa mostrou ainda a falta de conhecimento sobre o tráfico de índios que residem em regiões mais remotas e que migram de um estado para outro, de um país para outro. “Tráfico de índios que são forçados muitas vezes a serem ‘mulas’ para transportar drogas e de índios que são levados para mão de obra escrava em plantações, na Região Sul do país”, disse Cardozo.

Nos estados do Rio Grande do Sul, Pará, Paraná, Amazonas, de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul é maior o tráfico para fins de trabalho escravo. O levantamento destaca que a maior parte é traficada para trabalho escravo na indústria têxtil ou zona agrícola.

A maioria dos casos de tráfico para exploração sexual foi identificada nos estados de Roraima, Rondônia, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, do Pará, Amapá e Acre.

A maioria das vítimas é mulheres, na faixa etária dos 18 a 29 anos. Além delas, crianças e adolescentes, travestis e transgêneros, geralmente em condição de vulnerabilidade, seja pelas condições socioeconômicas, seja pela presença de conflitos familiares, seja pela violência sofrida na família de origem.

Em geral, o aliciamento é feito por alguém próximo à família. Homens, mulheres e mulheres transgêneros são recrutados, aliciados e convencidos de uma vida melhor. Quantias são “anotadas” pelo transporte, alimentação, alojamento, e transformadas em dívidas a serem pagas. “Muitos vezes o engendrador do ato é visto com um aliado da vítima. Como alguém que está querendo ajudá-la”, destacou o ministro.

Segundo o estudo, também houve uma mudança no perfil dos aliciadores. Em 2002, a maioria dos recrutadores identificados no Brasil era do sexo masculino. Dados do Ministério da Justiça revelam uma maior incidência de mulheres aliciadoras. Apesar disso, números do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) mostram que há mais homens do que mulheres presos por tráfico de pessoas, “o que pode levar à conclusão de que esses últimos ocupam um lugar mais alto na hierarquia dos grupos de traficantes”, diz a pesquisa.