Você apanhou quando era criança?

Quem não apanhou quando era criança, não é mesmo? Mas você, meu caro leitor, o que me diz? Alguns podem estar pensando: “eu apanhei e não virei bandido, hoje trabalho, estudo, amo meus pais”, outros podem estar dizendo “apanhei e não adiantou nada, coitada da minha mãe, eu aprontava muito”.

Estas foram algumas das opiniões que obtive, quando eu indaguei algumas pessoas antes de escrever um pouco sobre esse assunto. É claro, que muita gente apanhou dos pais nessa vida, alguns apanharam de avós e até de tios.

E, durante estes dias em que estive conversando com algumas pessoas, em rodas de amigos e conhecidos, surgiram os diversos meios de “massacre da infância”, como uma das pessoas denominou. É óbvio que rimos um pouco, mas no fundo, para alguns, o assunto trouxe algumas lembranças não tão boas.

Em uma destas rodas de prosa, descobri das mais variadas formas que as crianças apanhavam. Deixo entre aspas os relatos de cada uma delas, porém mantenho o nome em sigilo: “eu apanhei de cabo de vassoura”; “a minha vó me atacou uma pedra de gelo”; “apanhei de espada de São Jorge”; “apanhei com a correia da máquina de costura”; “minha mãe puxava a orelha”, “meu pai me deixava de castigo de joelho atrás da porta”, “meu pai batia de vara de goiabeira”.
Enfim, podemos ver que a criatividade imperava nessa época.

No meio dessa roda de conversa, um colega disse: “eu nunca apanhei, nem sei o que é isso”. Todos ficaram espantados e disseram: “como assim, você nunca levou uma palmadinha?”.
Pois é. Ainda bem que não são todas as famílias que têm o mesmo pensamento quanto à forma de educar as crianças. Quem disse que educar é fácil? Educar é difícil, nunca foi tarefa fácil, não. Educar uma criança requer muito cuidado. Todo cidadão ou cidadã tem direito de ter filhos, logo deve educá-los.

Em uma coisa eu sou convicta: nenhuma criança nasce praticando atos violentos e nenhuma criança compreende absolutamente tudo o que acontece em volta do seu pequeno mundo, que ainda está conhecendo. Por isso que, muitas vezes a criança apanha e não compreende o porquê esta apanhando.

Então, será que não estava mais do que na hora de surgir uma legislação com o propósito de melhorar a maneira de educar as nossas crianças, sem agressões físicas, sofrimentos e lesões? O mundo está tão cruel nos dias de hoje, com tanta coisa ruim acontecendo, os nossos jovens perdendo sua juventude nas drogas, no crime, e muitos abandonando seus pais, suas casas, suas famílias. Será que não podemos dar uma vida melhor para as nossas crianças e mudar um pouco a forma de pensar, quando se fala em educação infantil?

Foi por esta razão que foi aprovado o Projeto de Lei 7.672/2010, que tem por objetivo alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo que eles sejam educados e cuidados, sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. Vejamos:

Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer  outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II – tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

A lei também prevê sanções àqueles que a infringirem:
Art. 17-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta Lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A propósito, vamos ver o que trata o artigo 129, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
[…]
III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
[…]
VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII – advertência;

Observe que, além das hipóteses de sanções acima, o projeto de lei é claro ao dispor “sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. Isso significa, portanto, que, verificando o magistrado que a conduta do agressor é punível com outra medida, assim o fará.

Então, você, meu leitor, gostaria de ser punido pela Justiça ou mudar o seu comportamento? Além disso, você gostaria que seu filho deixasse de fazer uma má-criação, apanhando, ou ouvindo suas palavras e compreendendo a situação? O que você prefere?

Acredito que você preferiria mudar o comportamento e que o seu filho obedecesse, ouvindo o que você tem a dizer.

Será que sua forma de educar tem sido a melhor? Será, então, que não está mais do que na hora dos pais aprenderem como educar seus filhos? Como respeitarem os pequeninos, a quem deram a vida? Será que todos os problemas, todos os desrespeitos, má-criações tem que ser resolvidos com agressão, chinelada, puxão de orelha, tapas, gritos, chantagem, ignorância, ódio e indiferença?

Um relato de uma criança certo dia me revelou: “quando meu pai me bate fico com ódio dele”.
Você que bate em seu filho, se um dia ele dissesse isso o que sentiria? É algo para se pensar. Ouvi também de um pai:“eu bato no meu filho, mas ele faz tudo de novo”.
Então indago a você, nesse caso, será que o filho compreendeu porque apanhou, se ele faz tudo de novo?

Pois é, para responder a essa dúvida, me socorri de pessoas que são mães e, também, de uma estudante de Psicologia, Quiciane Priscila P. Flores, que segundo sua experiência como mãe me disse que “a criança quando apanha ela fica amedrontada, ela não passa a te respeitar, ela passa a ter medo, a criança planeja uma forma pior de desrespeitar, ela não aprende”.

E isso me fez lembrar um pai que me falou: “eu apanhei, mas não aprendi, eu não entendia porque não podia fazer tal coisa, sabia que se fizesse eu ia apanhar”.

A estudante de psicologia, também explicou que “se a criança apanha, a única coisa que ela aprende é que o adulto é mais forte que ela, gerando assim um sentimento de inferioridade, e por consequência, uma baixa auto-estima”.

Nesse cenário todo, temos que cada família com sua cultura, seu conhecimento, educa seus filhos da forma que entende que seria correta. Mas, e os pais que não receberam uma educação de qualidade, que não receberam uma boa instrução, que não sabem os mínimos princípios de amor filial, de família, de religião, de cortesia, de respeito ao próximo, de companheirismo? Que não sabem dosar até onde deve chegar a sua “palmada”?

Nesse artigo, meu objetivo, simplesmente, é fazer uma abordagem e uma reflexão sobre as práticas das medidas educacionais, pois quando eu acho que tenho opinião formada sobre algum assunto, várias vezes me questiono: “Será?”. E então procuro não ser radical e prefiro deixar-me aberta a ouvir as opiniões de outras pessoas, já que posso me deparar com um argumento diferente e muito bom, do qual eu posso tirar um novo aprendizado e ser uma pessoa melhor. É o que ocorre com o tema da palmada.

Acredito que a base da educação está na virtude do amor filial, que simboliza o amor entre pais e filhos. Um amor que permanece conosco, por toda a nossa vida. Esse laço que se cria entre pai e filho é tão forte, que cria a mais bela amizade, que traduz em atos de puro sentimento de amor caloroso, de respeito, de companheirismo, de forma que a educação torna-se mais fácil, pois será obtida com sorriso e não lágrimas de uma criança/adolescente, fazendo dela um ser humano melhor, deixando mais agradável a sua vida, pois será um ser humano que terá consciência de valores e princípios.

Isso tudo, porque nós, eu e você, só transmitimos o que recebemos. Portanto, uma criança somente passará amor e respeito ao seu próximo se ela receber, se aprender a amar, a respeitar, a ouvir e a ser corrigida, e não com castigo corporal.

Ocorre que as pessoas que foram criadas desta forma, ou seja, apanhando, acabam reproduzindo tudo que passaram. Sustentam que palmadas, chineladas, cintadas, não causam qualquer tipo de abalo psicológico e que não distancia os filhos de seus pais, de modo que, filhos que apanham continuam amando seus pais, muitas vezes até mais intensamente do que aqueles que nunca apanharam. Por outro lado, há aqueles que sustentam que a surra deixa traumas irreversíveis na criança, podendo torná-la uma pessoa violenta quando adulta.
É fato que haverá crianças que, mesmo educadas com agressão física de seus pais, continuarão amando-os e ser-lhe-ão gratas para o resto da vida. Assim como, também, haverá crianças que nunca sofrerão uma só palmada e que desenvolverão comportamentos extremamente agressivos.

Enfim, ninguém é igual ao outro.

Embora para muitos, o Estado não deva influenciar na forma de educar os filhos, o que discordo, o Estado tem que intervir sim. Isso porque, a sociedade é conivente com uma educação baseada na violência, argumentando que a educação com punição física é aceitável. Mas estes argumentos partem daqueles que foram criados desta forma e então acabam reproduzindo a educação que receberam.

E é por isso que vemos, nos jornais e na internet, casos de crianças que são agredidas e outras mortas de forma brutal, com requinte máximo de crueldade. Estamos vendo pais matando filho com injeção letal; jogando o filho da janela do apartamento; asfixiando filhos com sacos plásticos, queimando-os e, em seguida, esquartejando-os com uma foice e os jogando no lixo; deixando o filho a noite toda em pé, com as mãos na parede, porque fez xixi na cama; deixando filhos com fome o dia inteiro, porque não quis comer o que ele mandava; deixando filhos trancados em quartos, e muitas outras agressões que sequer chegam ao conhecimento das autoridades.

Para que isso? Até onde vamos deixar esses absurdos acontecerem? São vidas inocentes, vidas indefesas, para que tanto ódio, tanta violência?

Quando estes casos aparecem na TV, a comunidade fica indignada, porém, muitas vezes ao observar o mesmo comportamento em famílias próximas, não denuncia.  

Muitos pais culpam seus próprios filhos por eles estarem nas drogas, no mundo do crime, por lhe abandonarem, por não lhe ajudarem. É claro que não podemos generalizar, mas muitos não deram amor, não deram atenção, carinho, respeito, etc. E amor e respeito são sentimentos que conquistamos e não impomos. Portanto, e aqui eu uso as palavras da Estudante de Psicologia citada acima: “o autoritarismo não é sinal de autoridade”.

Felizes são os país, que mesmo usando dos mais variados meios de “palmadas”, conseguem criar os filhos mantendo-os no caminho do bem, conscientes do que devem ou não fazer. Felizes são os pais, que mesmo com todas as agressões, conseguiram fazer do filho uma grande pessoa.

Está na hora de mudarmos um pouco a forma de educar crianças e adolescentes em nosso país, a nossa cultura da “palmada”. Os nossos netos e bisnetos herdarão a criação que estamos dando às nossas crianças de hoje e já terão incutido na cultura, que a educação não é na base dos castigos físicos, “palmadas” ou sofrimentos.

*Cinthya Paez de Bona Nardi – advogada do escritório Mascarenhas Barbosa & Advogados Associados