Teve desconto de empréstimo consignado fraudulento em sua aposentadoria? Saiba como proceder

*Felipe Guimarães Abrão

Infelizmente, o Brasil é o “país das fraudes”, principalmente em operações financeiras. Não raramente, nos deparamos com notícias como: “Brasil é 2º país da América Latina com mais fraudes no cartão em compra online” [1]; “PF flagra operação contra fraudes em instituição financeira em SP e no Rio” [2]; “2 em cada 10 brasileiros foram vítimas de fraudes no último ano” [3] etc.

Conforme já adiantado, muitas dessas fraudes ocorrem perante instituições financeiras. O formato das fraudes são geralmente os mesmos: um terceiro (fraudador), se passando de determinada pessoa (vítima), realiza alguma(s) operação(ões) financeira(s) no nome desta última, de forma que, na ocasião da contratação fraudulenta, o terceiro utiliza documentos falsos.

Com os aposentados do INSS, esse cenário tem se repetido com bastante habitualidade. Aí você me pergunta: “Mas qual cenário?”.

O cenário é aquele em que o aposentado, ao consultar o extrato de seu benefício de aposentadoria, detecta o lançamento de um empréstimo consignado que nunca fez, tampouco autorizou.

Sim, é exatamente isso que você leu. E ainda mais: geralmente, são empréstimos concedidos por instituições financeiras que o aposentado nunca teve vínculos.

Dada essas primeiras palavras, vamos às análises:

  1. Quem deve se responsabilizar por essas fraudes?

A nível nacional, o Poder Judiciário já se cansou de decidir demandas envolvendo fraudes nas operações bancárias. O Superior Tribunal de Justiça tem até uma súmula específica para tratar destas situações, que é a Súmula 479, que assim dispõe:

Súmula 479.  As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

Em um modo geral, para fins de justiça, quem se figura como responsável é o banco que permitiu que a fraude se concretizasse, ou seja, o banco que realizou as contratações com o fraudador.

Outros detalhes serão tratados logo adiante. Continuamos:

  1. Qual regime jurídico deverá ser utilizado: do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor?

Sem sombra de dúvidas, o regime jurídico a ser utilizado é o do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estatui, em seu artigo 14, que:

Artigo 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Fazendo uma leitura conjugada do artigo 14 do CDC com a Súmula 479 do STJ citadas acima, chegamos à seguinte conclusão: a instituição financeira responde OBJETIVAMENTE (ou seja, independentemente de comprovação de culpa) por essas fraudes perpetuadas por terceiros, haja vista que configura uma falha na prestação de seu serviço.

E mais: essa fraude é considerada FORTUITO INTERNO, o que significa dizer que, mesmo se tratando de um evento imprevisível e inevitável por parte da instituição financeira, esta última deve responder pelos danos causados, pois se enquadra nos riscos de sua atividade.

Complementando, vamos para a terceira pergunta:

  1. Mas como que alguém que não tem nenhum vínculo com certo banco poderá ser considerado consumidor?

A resposta para esta pergunta é extraída do artigo 17 do CDC, que assim estabelece:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Sim, é exatamente isso: a vítima da fraude é considerada consumidora!

É que o legislador, quando da edição do CDC, optou em ampliar ao máximo sua abrangência, de forma que não somente aquele que participou diretamente da relação de consumo pode ser considerado consumidor. Podem, também, as vítimas de um acidente de consumo (que é o exemplo do caso aqui tratado) serem qualificadas como consumidoras, que é o que chamamos de consumidor por equiparação ou bystander.

Vamos às duas últimas perguntas:

  1. Como conseguirei reunir provas de uma contratação fraudulenta, já que nenhuma transação foi feita ou autorizada por mim?

Esta pergunta é um tanto quanto pertinente, pois, de fato, quando o indivíduo é vítima de uma fraude no setor financeiro, muito difícil é por parte dele conseguir alguma prova concreta da fraude (Ex.: contrato, extrato da conta-fraude, documentos utilizados pelo fraudador etc.), até mesmo porque o banco, em sua grande maioria das vezes, não apresenta absolutamente nada à vítima.

Assim sendo, o que o consumidor deve fazer é reunir os INDÍCIOS de que foi vítima da fraude.

E quais seriam esses indícios? Vamos lá:

  1. boletim(ns) de ocorrência;
  2. contato(s) da vítima com o banco, seja por ligação telefônica (registros das chamadas, protocolos da ligações e gravações), por e-mail e/ou WhatsApp;
  3. contestação do(s) débito(s) frente ao banco;
  4. registro de reclamação frente aos órgãos de defesa do consumidor (Procon, por exemplo) e/ou na plataforma gov;
  5. se possível, algum documento relacionado diretamente à fraude (Ex.: extrato da conta-fraude).

A regra é a seguinte: quanto mais indícios, sobretudo POR ESCRITO, a vítima conseguir, melhor será!

Quando do ajuizamento de ação judicial, prudente é que seja feito pedido na petição inicial de inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC, requerendo ao juiz que ordene que o Banco Réu apresente a documentação relacionada à fraude.

  1. Enfim, o que devo fazer se eu for vítima dessa fraude?

Bom, o primeiro passo é não se desesperar e manter a calma: chegou a hora de buscar as soluções!

Deve o consumidor, de imediato, correr atrás de reunir os indícios mencionados acima. Tentar resolver diretamente com o banco sempre é uma boa alternativa, bem como acionar os órgãos de defesa do consumidor também o é (Procon; Consumidor.gov). Todos estes diálogos extrajudiciais com o banco constituirão prova em eventual ação judicial.

Com relação à AÇÃO JUDICIAL em si, vislumbro que esta é necessária quando:

  1. o banco responsável não estiver empregando os devidos esforços para solucionar o problema do consumidor;
  2. se quiser discutir danos morais;
  3. o consumidor necessitar de algo urgente a ser resolvido e o banco não estiver dando a necessária atenção, como, por exemplo, evitar que haja algum desconto indevido no próximo benefício de aposentadoria ou retirar seu nome de órgãos de proteção ao crédito etc. (estes pedidos podem ser feitos em sede de tutela de urgência antecipada).

Com relação à indenização por danos morais, esses casos de fraude costumam ensejar a condenação da instituição financeira. Há quem entenda, inclusive, que constitua dano moral in re ipsa, isto é, dano moral presumido (independe de comprovação).

Vejamos recentes decisões do Tribunal de Justiça de Goiás acerca da questão, decisões estas que fazem menção à entendimento do STJ:

“APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO DE MÁ-FÉ DEMONSTRADA. DANO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Diante da documentação elencada nos autos não restam dúvidas de que a contratação com a instituição financeira se deu por terceiro de má-fé, configurando fraude. 2. Em sede de recurso repetitivo (REsp 1.199.782/PR), restou assente que na hipótese de operação bancária realizada mediante fraude por terceiro, o dano moral é in re ipsa, independendo de prova, de tal modo que enseja o dever de indenizar, haja vista o dano extrapatrimonial experimentado pela parte lesada, que inclusive teve o nome negativado por débitos que lhe competiam. (…). 1ª Apelação cível provida. 2ª Apelação cível desprovida”. (TJGO, Apelação (CPC) 0044343-24.2008.8.09.0051, Rel. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 2ª Câmara Cível, julgado em 01/07/2019, DJe  de 01/07/2019)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.  CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA. DANO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CONDENAÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO CASO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES DIANTE DA NÃO CONFIGURAÇÃO DA MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE A CONDENAÇÃO INDENIZATÓRIA. HONORÁRIOS MAJORADOS. 1 – (…). 2 – Em sede de recursos repetitivos (REsp 1.199.782/PR), restou assente que na hipótese de operação bancária realizada mediante fraude por terceiro, o dano moral é in re ipsa, independendo de prova, de tal modo que enseja o dever de indenizar, haja vista o dano extrapatrimonial experimentado pela parte lesada. (…). APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA”. (TJGO, APELACAO 0217108-78.2017.8.09.0085, Rel. CARLOS ROBERTO FAVARO, 1ª Câmara Cível, julgado em 20/03/2019, DJe  de 20/03/2019)

Bom, espero que este artigo tenha contribuído, de alguma forma, nas suas pesquisas e análises sobre as questões aqui debatidas. É muito importante, sobretudo, que se busque um advogado especialista, para auxiliar na melhor e mais acertada resolução do problema.

*Felipe Guimarães Abrão é advogado e consultor jurídico especialista em Direito do Consumidor e em Direito Imobiliário e é membro da equipe Rogério Leal & Advogados Associados.

[1] https://glo.bo/2GpKDQN

[2] https://glo.bo/38cf603

[3] https://glo.bo/361G2Nf