Julyana Guimarães Ramos*
A violência contra profissionais médicos no Brasil atingiu níveis alarmantes nos últimos anos, colocando em risco não apenas a integridade física e psicológica dos médicos, mas também comprometendo a qualidade do atendimento prestado à população. Este artigo aborda a escalada dessa violência, apresenta dados recentes e discute medidas protetivas e apoio jurídico disponíveis para os profissionais da área médica.
De acordo com um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), desde 2013, foram registrados aproximadamente 38 mil boletins de ocorrência[1] envolvendo médicos como vítimas de crimes como ameaça, injúria, desacato, lesão corporal e difamação. Em 2023, o número de casos alcançou 3.981, a maior marca da série histórica, indicando uma média de 11 ocorrências diárias, ou seja, aproximadamente um caso a cada duas horas.
Extraem-se do mesmo estudo que os principais agressores são pacientes, familiares de pacientes e, em menor escala, colegas de trabalho, incluindo outros profissionais de saúde.
A pandemia da COVID-19 agravou ainda mais esse cenário. Durante a crise sanitária, médicos foram vítimas de agressões físicas e verbais devido a tensões relacionadas à falta de leitos, protocolos sanitários e desinformação sobre vacinas e tratamentos. O aumento do desgaste emocional e a sobrecarga de trabalho também contribuíram para um ambiente de maior hostilidade contra os profissionais de saúde.
Essa realidade tem levado muitos médicos a considerarem abandonar a profissão ou mudar de especialidade. A medicina de urgência e emergência, por exemplo, está entre as áreas mais afetadas, devido à alta pressão dos atendimentos e às constantes situações de conflito.
Pois bem. O que pode ser feito?
Diante desse cenário preocupante, é fundamental que os médicos conheçam e utilizem as medidas legais disponíveis para sua proteção:
Em casos de agressão física ou verbal, é imprescindível registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Dependendo da gravidade, o agressor pode ser enquadrado em crimes como lesão corporal, ameaça ou desacato, conforme previsto no Código Penal.
Além das sanções criminais, o médico pode buscar reparação civil pelos danos sofridos. Ações por danos morais e materiais podem ser movidas contra os agressores, visando compensações financeiras e reconhecimento judicial do prejuízo causado.
Não obstante, as instituições de saúde têm o dever legal de garantir um ambiente seguro para seus profissionais. Isso inclui a implementação de medidas de segurança, como a presença de vigilância, controle de acesso e protocolos de atendimento em situações de risco. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar em responsabilização civil da instituição.
Outrossim, o Código de Ética Médica permite que o profissional se recuse a atender pacientes em situações que coloquem em risco sua integridade física ou moral, exceto em casos de urgência ou emergência, onde a omissão de socorro pode configurar infração ética.
Em resposta ao aumento da violência contra profissionais de saúde, o Senado Federal aprovou, em setembro de 2023, o Projeto de Lei 2390/2022[2], que propõe o aumento das penas para crimes cometidos contra esses profissionais durante o exercício de suas funções. Além disso, há propostas para tornar crimes contra profissionais da saúde equiparados aos cometidos contra agentes de segurança pública, tornando suas penalidades ainda mais severas.
Muitos médicos só procuram um advogado quando já estão enfrentando um problema. No entanto, a assessoria jurídica preventiva pode evitar complicações e proporcionar mais segurança no dia a dia profissional. Algumas estratégias incluem:
Consultoria em contratos e prontuários: Um prontuário bem preenchido e contratos claros ajudam a resguardar o profissional contra alegações infundadas.
Defesa em processos disciplinares e cíveis: O médico pode ser alvo de queixas junto aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), sendo essencial contar com uma defesa técnica especializada.
Acompanhamento jurídico para denúncias de violência: Muitas vítimas de agressões evitam denunciar por medo de represálias ou falta de suporte legal. Ter um advogado ao lado torna esse processo mais seguro.
Assim, não restam dúvidas que a profissão médica sempre esteve entre as mais respeitadas, mas também é uma das mais expostas a riscos legais e físicos.
Como dizia Hipócrates, “a vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugaz, a experiência enganosa e o julgamento difícil“.
Em tempos de incerteza e riscos crescentes, proteger-se é um ato de respeito à própria trajetória. Conte com apoio jurídico especializado e exerça a medicina com mais tranquilidade
*Julyana Guimarães Ramos é advogada especializada em Direito Médico e da Saúde, integrante do RCA Advogados Associados. Graduada em Direito pela PUC/GO, com pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil (IGD) e em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (CERS). Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/GO e coordenadora do Núcleo de Direito Médico do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD). Ampla experiência como assessora jurídica no Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE/GO). Instagram: @julyanagr. Contato: 62 99170-7587
[1] https://portal.cfm.org.br/wp-content/uploads/2024/10/Violencia-contra-medicos-total-da-serie-historica-por-estado.pdf
[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154642