Edemundo Dias de Oliveira Filho*
Imagine uma senhora, mãe, esposa ou filha de um preso, ao visitar o seu parente em uma unidade prisional, ter que se submeter à revista corporal íntima, invasiva, em uma sala comum, sob olhares insidiosos, inclusive de agentes masculinos, completamente despida e obrigada a se agachar por pelo menos três vezes sob um espelho…
Essa situação empírica, em geral, tem sido prática corriqueira nos presídios brasileiros. Trata-se da chamada “Revista Íntima Vexatória”, debatida há anos, em busca de um equilíbrio entre a segurança prisional e a proteção dos direitos fundamentais inalienáveis, como a dignidade e a intimidade.
Finalmente, agora (02/04), o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Agravo Extraordinário (ARE) 959.620, resolveu enfrentar definitivamente esse tema, em matéria de repercussão geral, ou seja, válida para todo o país, e decidiu que “esse tipo de procedimento é inconstitucional e inadmissível”. A decisão passa a valer a partir da publicação da ata de julgamento.
Sintetizamos, assim, alguns pontos relevantes da decisão do STF: 1) Revistas íntimas só podem ser executadas em situações excepcionalíssimas, motivadas, mas, de toda forma respeitando-se a dignidade e a intimidade das pessoas, com a anuência do visitante – se este não permitir, poderá ter acesso negado -; 2) Revistas íntimas só podem ocorrer em local adequado e por profissional do mesmo gênero; 3) O abuso ou o excesso na revista ensejará a punição do agente estatal responsável; 4) As agências estatais terão que prover todas as suas unidades prisionais com equipamentos tecnológicos aptos e suficientes, como recurso lícito para essas inspeções pessoais.
Na qualidade de especialista e pesquisador da execução penal, com vastíssima experiência há muitos anos nessa causa, acredito que a tese final assentada pelo STF, conseguiu, finalmente, encontrar o almejado equilíbrio entre a proteção dos direitos humanos e a devida segurança pública nos caóticos presídios, marcando um passo fundamental na humanização do sistema prisional no Brasil.
Em resgate à história, aqui em Goiás, já em julho de 2012, enquanto Presidente da Agência Goiana do Sistema Prisional, com o inestimável apoio do Ministério Público e do Poder Judiciário, baixamos a Portaria 435/2012, abolindo as revistas vexatórias e estabelecendo regramentos para a “Revista Humanizada”, colocando o nosso Estado na vanguarda dessa iniciativa e, também, como paradigma do tratamento humanizado e terapêutico do preso e de sua família, elo fundamental no processo de reinserção social. Lamentavelmente, as últimas gestões do Sistema Prisional goiano, não deram prosseguimento a essa mesma filosofia e práticas ultrapassadas voltaram a ser perpetradas em nosso Estado. Mas, a partir da decisão do STF, terão que se readaptar, sob a atento olhar das autoridades competentes, inclusive da OAB, assim espero.
Por fim, trago as lições de um dos maiores estadistas/personalidades dos séculos XX – XXI, Nelson Mandela (18/07/1918 – 05/12/2013), que foi preso em 1962, durante o odioso Regime do Apartheid, estudou direito e se formou enquanto estava preso, pela Universidade da África do Sul (ANISA). Atuou, junto com outros advogados, em sua defesa própria, para conseguir a sua liberdade, em 1990, após 27 anos de cárcere.
Mandela – O Mandiba – após deixar a prisão, foi eleito presidente do Congresso Nacional Africano, e, logo nas primeiras eleições democráticas do seu país, venceu com ampla maioria e se tornou o primeiro presidente negro daquela nação.
É dele a seguinte afirmação paradigmática:
“Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”.
*Edemundo Dias de Oliveira Filho é advogado. Ex-Secretário de Estado de Justiça e Administração Penitenciária de Goiás. Especialista em Segurança Pública e Políticas Pública (UFG). Mestre em Direito Público (Unex/Espanha).