Sued Araújo Lima*
A advocacia é, por essência, uma profissão pautada na confiança, no zelo ético e na responsabilidade.
No entanto, mesmo os colegas mais diligentes podem, em algum momento, enfrentar a dura realidade de responder a um processo ético-disciplinar.
O problema não reside apenas no fato de ser representado — o que, a depender do contexto, pode decorrer até de mal-entendidos ou interpretações equivocadas — mas sim nos erros cometidos durante a defesa, que podem agravar consideravelmente a situação.
Por isso, reuni aqui os principais equívocos que advogados cometem ao se defenderem no Tribunal de Ética e Disciplina (TED), baseando-me na prática diária e na análise dos processos disciplinares.
A correta compreensão desses pontos pode representar a diferença entre preservar a reputação ou sofrer graves sanções.
- Tratar o processo ético-disciplinar como um processo judicial comum
É um erro recorrente acreditar que o processo disciplinar tramita da mesma forma que os processos judiciais tradicionais.
O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94), o Código de Ética e Disciplina e o Regulamento Geral da OAB estabelecem ritos próprios e questões mais específicas.
Desconhecer essas particularidades é iniciar o processo em desvantagem.
- Confiar integralmente que o Tribunal de Ética vai corrigir eventuais erros de ofício
Embora o Tribunal de Ética atue na apuração de infrações com imparcialidade, o representado não pode adotar uma postura passiva no processo.
Não raro, vícios como ausência de identificação do denunciante, irregularidades na autuação ou falta de requisitos da representação (art. 57 do Código de Ética) não são apontados de ofício pelos julgadores.
Portanto, cabe exclusivamente ao advogado representado fiscalizar o andamento processual, identificar irregularidades e pleitear a nulidade dos atos, quando for o caso.
- Ignorar a importância da fase processual
Cada fase do processo ético-disciplinar possui finalidades e estratégias próprias.
Segundo o Código de Ética, o rito é composto pelas seguintes etapas:
- Representação: Início do processo, oportunidade para esclarecimentos preliminares em algumas Seccionais;
- Instrução: apresentação de defesa prévia, produção de provas, oitiva de testemunhas;
- Julgamento: possibilidade de sustentação oral;
- Recursal;
Desconhecer a fase em que o processo se encontra pode fazer com que o advogado perca prazos estratégicos, como requerer a produção de provas, impugnar documentos, apresentar razões finais ou realizar sustentação oral.
Por exemplo: uma defesa prévia genérica apresentada na fase de instrução, sem requerimento de produção de provas, pode ser um erro fatal.
- Basear a defesa exclusivamente na ausência de tipificação legal
Muitos advogados, ao elaborar suas defesas, concentram-se apenas em alegar a tipificação inadequada na capitulação legal da infração.
Contudo, o art. 59, §7º do Código de Ética e Disciplina esclarece que o enquadramento legal definitivo dos fatos ocorre apenas após a fase de instrução, com a manifestação do juiz relator.
Portanto, o foco da defesa deve estar nos fatos, na desconstrução da narrativa apresentada na representação e na comprovação da regularidade da conduta.
Vejamos alguns exemplos de abordagens efetivas:
- Demonstrar que o ato praticado foi autorizado pelo cliente;
- Comprovar a ausência de dolo ou culpa na atuação profissional;
- Apresentar provas documentais de que a atividade não configurou captação irregular ou publicidade indevida.
- Não atentar para nulidades e vícios processuais
Assim como em qualquer outro procedimento disciplinar, nulidades e irregularidades podem e devem ser arguidas.
A denúncia anônima, vedada expressamente pelo art. 55, §2º do Código de Ética ou representações que não preenchem os requisitos do art. 57 do Código de Ética (ex: falta de qualificação do representante, ausência de fatos narrados de forma clara, inexistência de provas mínimas), são ótimos exemplos de nulidades.
- Desconsiderar o impacto emocional e estratégico da sustentação oral
O processo ético-disciplinar permite ao advogado (ou a seu defensor) a realização de sustentação oral durante o julgamento.
A sustentação oral, embora breve, possui um valor simbólico e estratégico enorme: é o momento de humanizar a defesa, demonstrar respeito à profissão e convencer o colegiado pela improcedência da representação.
Deixar de realizar a sustentação — ou conduzi-la de maneira improvisada — é desperdiçar uma das mais poderosas ferramentas de persuasão do processo ético.
Conclusão
O advogado representado precisa atuar com técnica, atenção e inteligência estratégica.
Evitar os erros aqui apontados é proteger não apenas um número de registro na OAB, mas toda uma trajetória construída com esforço e honra.
*Sued Araújo Lima é sócio do escritório Sérgio Merola Advogados, especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.