Reforma penal: estéril como um monge virtuoso

Nenhuma reforma penal jamais diminuirá a criminalidade sem as necessárias ações para dar efetividade a toda Justiça criminal, que funciona muito mal e provoca muita impunidade. Nenhuma nova lei penal dará resultado sem uma decidida política de prevenção do delito (que caracteriza os países de capitalismo evoluído e distributivo, como Dinamarca, Suécia etc.). Ficar batendo o tempo todo na tecla exclusiva da repressão e do direito penal máximo (estratégia típica das burguesias capitalistas extrativistas) é se entregar ao charlatanismo, que é um dos vícios de caráter da sociedade brasileira. Promete-se algo que não se pode cumprir. Promete-se uma cura por meio de um remédio que traz, na verdade, mais enfermidade. A solução do problema da criminalidade e da insegurança depende não de novas leis, sim, da efetividade das já existentes.

Se o legislador brasileiro fosse dado a observar diretamente a vida social, veria que o problema da criminalidade clássica carece de atividades sociais, não de reformas legais. Veria que o programa sugerido por Beccaria, em 1764, no seu livro Dos delitos e das penas: pena branda, justa, rápida e certa (infalível), pode ser muito mais eficiente que o sugerido pela nefasta criminologia populista-midiática-vingativa, com seu direito penal máximo (aplicado em poucos casos). A postura correta para solucionar os nossos problemas exige a observação detalhada de cada um deles. Só quem se inspira no fluxo e refluxo das sociedades, se pode entusiasmar pela vida e pelas decisões corretas.

Quem permanece longe dos acontecimentos, vendo-os à distância, dos seus gabinetes arejados, nunca aprende a observá-los; daí a dificuldade de promover os progressos necessários. A atividade social pressupõe uma sensação precisa das necessidades sociais. É dela que emanam ou que surgem as boas soluções, dotadas de efetividade. Mas como atua o legislador no campo criminal? Nem conhece o (mau) funcionamento da Justiça penal, nem tampouco se vale de pesquisas criminológicas qualificadas para ter noção exata do problema. Por exemplo: ele nem sabe quem está matando quem, quando, por que, de onde vêm os homicídios etc. É um curandeiro que ministra remédios sem conhecer a doença! Será que algum criminoso vai deixar de matar porque a pena subirá de 6 para 8 anos?

O legislador legisla cegamente no campo penal, porque confia nas suas intuições, nas tradições conservadoras bem como naquilo que lhe mostra manipuladamente a mídia (escrita, falada, televisada e compartilhada). Conhecimento heurístico, não científico. Inócuo para diminuir a criminalidade. Conclusão: em toda reforma penal o legislador é um cego que atira para todos os lados (aumentando penas, endurecendo a execução, cortando inconstitucionalmente direitos e garantias fundamentais, estimulando o encarceramento massivo etc.). Mas nada disso nunca funcionou positivamente em termos de prevenção.

Ao saber do problema ele se põe a trabalhar, a aprovar novas leis, sempre mais severas. Mas os números da criminalidade não diminuem. Por falta de contato direto com os acontecimentos, cada vez mais seu trabalho vai se tornando puramente simbólico (enganador, fraudulento, midiático). Parafraseando M. Bomfim, as reformas penais no Brasil são tão inativas e estéreis como os monges virtuosos.

*LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br