Recolhimento de custas judiciais por meio de cheque

“Advogar em Goiás é tarefa cada dia mais excruciante!”. Seguramente a maioria dos que militam na advocacia goiana já esbravejou desabafo similar ou, ao menos, o ouviu ser vociferado por colegas de profissão. Os incontáveis embaraços com os quais somos diuturnamente impingidos em nossa ocupação, não nos dão maiores alternativas do que esse desafogo verbal ou, quando muito, manifestações públicas como a que se faz neste texto.

A título exemplificativo, de tais empecilhos funcionais por nós vivenciados: o jurisdicionado que representamos (é sempre ele, ao final, o verdadeiro prejudicado) quase não tem mais respeitado, em Goiás, o seu direito a uma defesa oral num recurso de apelação, face a indolência com a qual se tem decidido monocraticamente em nosso Tribunal estadual. Como se não bastasse, nesse mesmo caso, para se viabilizar o julgamento colegiado faz-se necessária a apresentação de um “fato novo”, pois se inovou em nosso Tribunal ao condicionar a tal apresentação o provimento de Agravo Regimental.

Nada obstante, a situação, que já é sobejamente laboriosa para superar equivocidades judiciais, está se agravando por óbices lançados por entes “não propriamente judicantes”, mas que contribuem direta ou indiretamente para a prestação Jurisdicional, que têm, ultimamente, contribuído para a “irresignação causídica”.

Não raro o protocolo judicial tem feito exigências extravagantes, recusando-se a efetuar protocolos de petições por “não concordar com o nome dado”, “por ausência de contrafé em agravo contra liminar”, entre outras situações no mínimo peculiares.
 
Recentemente, no entanto, uma nova ocorrência tem aflorado o descontentamento dos advogados goianos: as agências bancárias localizadas nas dependências do Poder Judiciário têm condicionado o pagamento das guias de custas judiciais mediante cheque à emissão do título por parte da pessoa que consta nominalmente na guia judicial. Não sendo assim, não se aceita o pagamento por cheque.

Não se pretende, aqui, questionar a não aceitação do cheque como forma de pagamento. Desde a revogação da lei nº 8.002/90 ela é, indiscutivelmente, facultativa (com a ressalva de que alguns órgãos de Defesa do Consumidor estaduais e municipais têm orientado os empresários a afixar aviso sobre a não aceitação de cheque). Tanto que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios veda o recolhimento de guia de custas judiciais por meio de cheque (Provimento nº 8, de 15 de junho de 2012).

O que se pretende, em verdade, é desabafar quanto à leviandade dessa aceitação parcial que externa um verdadeiro desconhecimento quanto à natureza jurídica do cheque. Anseia-se, pois, em apresentar tal natureza nesta manifestação pública para, quem sabe, alcançar os ouvidos daqueles que estão perpetrando tal embaraço a nós, advogados, e, com mais razão, a nossos representados.

Cheque é, antes de qualquer particularidade, um título de crédito. Como tal, é dotado de suas características e princípios, a exemplo da negociabilidade (circulação simplificada, com agilidade e facilidade na transmissão do crédito) e autonomia (obrigações independentes, na qual a eventual invalidade de qualquer delas não acarreta prejuízo às demais).

O cheque, além de ser um título de crédito, é uma ordem de pagamento à vista, que pode ser ao portador ou nominativo. Classificações que permitem a sua livre circulação, não havendo razões para se exigir apenas o cheque emitido diretamente por determinada pessoa. Vejamos.

Quando se está diante de um cheque ao portador (sem o preenchimento do campo do destinatário), aquele que tiver a posse do título será o seu credor. Quando, no entanto, se identifique, no cheque, o seu credor (um cheque nominativo, portanto), bastará que seja endossado (caso se trate de cheque “à ordem”) ou se promova uma cessão de crédito (caso se trate de cheque “não à ordem”) para que seja transferido.

Se, desse modo, o cheque foi emitido por outra pessoa, mas a “pessoa cujo nome consta na guia de custas” o endossar, não há qualquer razão para a agência bancária recusar tal pagamento, condicionando-o à emissão originária por parte daquela.

Ora, um cheque que tem por endossante a “pessoa cujo nome consta na guia de custas” tem a mesma força de um cheque originariamente por ela emitido, porquanto o endosso transfira o crédito externado na cártula. Em verdade, tem ainda mais força: ao endossar o cheque, o endossante vincula-se ao título, agora na condição de coobrigado.

Ou seja, se no cheque originariamente emitido pela “pessoa cujo nome consta na guia de custas” o banco tinha um devedor, na hipótese de endosso ele possui dois coobrigados ao adimplemento do crédito. Bem mais seguro, portanto.

São essas, resumidamente, as razões que fundamentam o inconformismo da classe contra tais embaraços. O tempo que poderia estar sendo gasto na defesa dos direitos dos jurisdicionados, está sendo desperdiçado nas filas de bancos para descontar cheques. Ordens de pagamento à vista que poderiam estar, legitimamente, sendo utilizadas para o adimplemento de custas judiciais.

*Leonardo Honorato Costa, advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados. Professor universitário e membro fundador do Instituto de Direito Societário de Goiás – IDSG.