Quais doenças graves geram isenção do IRPF?

Fabrício Klein*

A legislação brasileira assegura a isenção do Imposto de Renda para pessoas acometidas por determinadas doenças. Essa garantia está prevista no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, que lista enfermidades como neoplasia maligna (cânceres), cardiopatia grave, cegueira, esclerose múltipla, hanseníase, alienação mental, entre outras. O que muitos desconhecem é que a interpretação desses termos pode ampliar significativamente o número de beneficiários do direito à isenção. Analisar a possibilidade da isenção tendo em mente apenas o conceito de “doença grave” é um equívoco, pois o benefício se estende a contribuintes que realizaram o tratamento adequado e se encontram assintomáticos, ou mesmo curados, incluindo casos de enfermidades de baixa gravidade, como o carcinoma basocelular, que é a neoplasia maligna mais frequente, mas de caráter não metastático.

Embora a lista legal das enfermidades seja considerada taxativa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), muitos dos termos nela contidos abrangem gêneros de doenças. A expressão “cardiopatia grave”, por exemplo, não se limita a um diagnóstico específico e pode incluir condições como doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio e arritmias severas. Da mesma forma, o termo “alienação mental” ampara casos de Alzheimer, ainda que essa demência senil progressiva e incurável não esteja expressamente mencionada na norma. O ponto central é demonstrar que a enfermidade preenche os requisitos clínicos e legais do enquadramento previsto.

A Lei 7.713/88 menciona 8 gêneros e 9 espécies de enfermidades. Entre os gêneros estão a cardiopatia grave, a nefropatia grave e a hepatopatia grave, todos abrangendo diversas condições clínicas. Entre as espécies específicas constam esclerose múltipla, cegueira, hanseníase, espondiloartrose anquilosante, doença de Parkinson, osteíte deformante, entre outras. Há ainda previsão para situações raríssimas, como a contaminação por radiação. É fundamental ampliar o conhecimento da população sobre esse direito, especialmente entre contribuintes com histórico de câncer ou doenças cardiovasculares, que representam a maioria dos casos em que a isenção é aplicável, mesmo após o tratamento eficaz.

Outro ponto importante é que a concessão da isenção não depende de laudo médico emitido exclusivamente por serviço público de saúde, nem da presença atual de sintomas da doença. O Superior Tribunal de Justiça, nas Súmulas 598 e 627, consolidou o entendimento de que basta a comprovação do diagnóstico, por qualquer meio e em qualquer época. Portanto, condicionar a concessão da isenção à gravidade atual da enfermidade ou à documentação pública é um erro frequente, que muitas vezes resulta na injusta subtração de um direito previsto em lei e reiteradamente reconhecido pela Justiça.

É essencial, contudo, destacar que o direito à isenção não é automático. Para deixar de pagar o imposto, o contribuinte deve apresentar um pedido formal, que pode ser feito administrativamente, junto ao órgão pagador (como o Exército ou a GOIASPREV), ou judicialmente. De acordo com entendimento recentemente reforçado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1373, é plenamente possível protocolar o pedido diretamente no Judiciário, sem a necessidade de esgotar a via administrativa.

É comum que pedidos administrativos de isenção do Imposto de Renda sejam indeferidos devido a interpretações restritivas por parte das fontes pagadoras, que frequentemente desconsideram jurisprudências consolidadas, bem como orientações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Receita Federal. No entanto, o Poder Judiciário tem se mostrado sensível à realidade enfrentada pelos contribuintes, reconhecendo o direito à isenção em inúmeros casos onde a Administração Pública havia negado o pedido, especialmente para quem possui histórico de câncer ou cardiopatia grave, ainda que já tratado.

Além da isenção futura, existe também a possibilidade de restituição dos valores pagos nos últimos anos, para aqueles que se enquadram nos critérios legais. Essa oportunidade é particularmente relevante para contribuintes diagnosticados antes de dezembro de 2018, pois, nestes casos, ações ajuizadas até junho de 2025 podem garantir o reembolso de até 84 meses do IRPF pago indevidamente, desde que preenchidos os requisitos necessários.

É importante ainda compreender que esse benefício fiscal se aplica exclusivamente a militares inativos, aposentados, sejam eles vinculados ao INSS ou a regimes próprios da Administração Pública, e pensionistas. No entanto, também alcança beneficiários de planos de previdência privada, tanto abertos quanto fechados, como os vinculados à FUNCEF, Petros, BACEN, entre outras entidades de previdência complementar. Em todas essas situações, o acesso à justiça fiscal representa mais do que uma economia financeira: trata-se do reconhecimento da dignidade de quem enfrenta, ou já enfrentou, uma enfermidade séria.

*Fabrício Klein é advogado especializado em isenção e restituição do Imposto de Renda por enfermidade, com atuação em todo o território nacional. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito Civil e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também possui MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com experiência como professor em cursos de graduação e pós-graduação em Brasília e Porto Alegre, dirige o escritório Fabrício Klein Advocacia, referência na área tributária aplicada à saúde.