PLC 57/2010 – Enfim, a regulamentação da gorjeta

No ultimo dia 27 de fevereiro, foi, aprovado pela Comissão de Assuntos Especiais, a PLC 57/2010, que regulamenta o rateio entre empregados da cobrança adicional sobre as despesas em bares, restaurantes, hotéis, motéis e estabelecimentos similares, a chamada “gorjeta”.

Muitas controvérsias até então foram travadas entre empregados, empregadores e sindicatos a respeito, não da legalidade da cobrança da taxa de serviços (10%), mas, sim, de como seria a incorporação desta parcela na remuneração do empregado, bem como a possibilidade de retenção pelo empregador.

Pois bem, até 2014 a Convenção Coletiva da Categoria Secheg, estabelecia em sua cláusula 13ª, que os estabelecimentos que cobrassem a taxa de serviço poderiam reter 30% para pagamentos de encargos sociais:

CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA – GORJETA COMPULSÓRIA /TAXA DE SERVIÇO As empresas para implantarem a cobrança da gorjeta compulsória (taxa de serviços), deverão obrigatoriamente firmar Acordo Coletivo de Trabalho com o Sindicato obreiro para garantir a legalidade da sua cobrança e instituir a Tabela de Pontos a ser distribuída entre os trabalhadores beneficiados. § 1º – Do valor arrecadado com a cobrança em questão, será reservado no mínimo 70% (setenta por cento) aos trabalhadores beneficiados e os outros no máximo 30%(trinta por cento) às empresas para cobrir os custos com encargos sociais e tributários. (provenientes dessa forma de cobrança e repasse aos trabalhadores). § 2º- As empresas ficam desobrigadas de integrar a gorjeta/taxa de serviços (quer seja compulsória para ou facultativa) o cálculo de aviso prévio indenizado, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado, nos termos da Súmula354 do TST. Porém, a Gorjeta integra a base de cálculo das parcelas de férias, 13º salário, FGTS, multa indenizatória da data-base e aviso prévio trabalhado.”

Para um maior entendimento do leitor, ocorria que dos 10% cobrados, 7% iriam para o empregado e 3% para o empregador, para custear encargos.

Ocorre que, em 2014, o próprio sindicato dos empregados  e advogados ajuizaram reclamatórias trabalhistas no intuito de invalidar a retenção dos 30% da taxa de serviços (que era prevista pela CCT), considerando tal retenção abusiva, mesmo realizada com a chancela do sindicato. E, em seus pleitos, além da pretensão da invalidade, pleitearam o pagamento de todas as gorjetas suprimidas desde o início do pacto laboral com o empregador, o que, diga-se, levou vários estabelecimentos a recuperação judicial, pela total insegurança jurídica do entabulado nas Convenções Coletivas!

Os representantes dos empregados consideravam inadmissível a retenção dos 30% pelo empregador, pois tal encargo deve ser suportado exclusivamente pelo dono do negócio, sendo- lhe vedado transferi-lo ao empregado, na forma do disposto no artigo 2º da CLT, norma de ordem pública, tese aceita acolhida pelo Colendo Superior Tribunal do Trabalho:

TST – RECURSO DE REVISTA RR 1019005620095010002 (TST)

Data de publicação: 06/03/2015

Ementa: RECURSO DE REVISTA. TAXAS DE SERVIÇO (GORJETAS). RETENÇÃO PELO EMPREGADOR. Cinge-se a controvérsia a analisar a validade da cláusula normativa que autorizou a retenção pelo empregador do percentual de 35% arrecadado a título de taxa de serviço (gorjeta) para a distribuição do montante entre o empregador e o Sindicato profissional. Nos termos do art. 457 , “caput”, da CLT , “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. Por sua vez, o § 3.º do mesmo dispositivo legal prevê que “Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados”. Ora, prevendo a lei que a gorjeta cobrada pela empresa dos clientes, como adicional de contas, deve ser destinada à distribuição aos empregados, não poderia norma coletiva alterar a forma de distribuição, visto que as regras concernentes à remuneração são tidas como cogentes e, portanto, indisponíveis pela vontade das partes. Precedentes da Corte. Recurso de Revista conhecido e provido .

A mobilização dos empregadores no intuito de regulamentar a questão, chegou às portas do Legislativo, assim, pela proposta, considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição entre os empregados.

O texto da PL 57/2010 estabelece, o que já era cediço, que a gorjeta não é receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será distribuída integralmente a eles, segundo critérios de custeio e rateio, definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Inexistindo previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, os critérios de rateio e distribuição da gorjeta e os percentuais de retenção serão definidos em assembleia geral dos trabalhadores.

Entretanto, a PL permite não só via de acordos que as  gorjetas sejam rateadas entre os trabalhadores do local, bem como, que as empresas inscritas em regime de tributação diferenciado, poderão reter até 20% da sua arrecadação para custear encargos sociais, e o valor remanescente ser repassado integralmente ao trabalhador. Já as empresas não inscritas em regimes de tributação diferenciado poderão reter até 33% da arrecadação (exemplo de tributação diferenciada – Simples Nacional).

A retenção de 20% ou 33% pelo empregador, sobre o valor da taxa de serviços, será destinada ao pagamento de encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da integração à remuneração dos empregados.

A regra passa a valer após 60 dias da publicação no Diário Oficial da União.

A empresa poderá optar por não cobrar ou não os 10%, entretanto, para tal, deverá fazer a média dos últimos 12 meses recebidos pelo empregado, sendo tal média incorporada ao salário.

Vale lembrar que o disposto na Súmula 354 não teve alteração. As gorjetas integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

Todas as empresas deverão ainda anotar na carteira de trabalho e no contracheque dos empregados o salário fixo e o percentual percebido a título de gorjetas.

Quando a gorjeta for entregue pelo consumidor diretamente ao empregado, também terá seus critérios definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho, sendo facultada a retenção.

Entendo ser uma vitória para os empregadores, pela própria insegurança jurídica vivenciada, e o número altíssimo de demandas trabalhistas. Há ainda lacuna na legislação quanto à tributação dos recursos repassados e à sanção para casos de descumprimento da obrigação de repasse, mas sem duvida, existe avanço na categoria!

*CARLA FRANCO ZANNINI é  advogada e sócia proprietária do Carla Zannini Advogados S/S. É também presidente do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT), conselheira seccional da OAB-GO e presidente da Comissão Especial do Combate às Explorações nas Relações de Trabalho da OAB-GO