Remo Higashi Battaglia*
A averbação do contrato de locação por prazo determinado, prevista no artigo 8º da Lei n. 8.245/91, tem como objetivo proteger o inquilino, garantindo-lhe a manutenção no imóvel mesmo após a transferência da propriedade a terceiro, desde que presente cláusula de vigência. Para que esse efeito seja oponível perante terceiros, é necessário o registro do contrato nos termos da Lei de Registros Públicos, que exige a correta descrição do imóvel e a identidade entre locador e proprietário (arts. 167 e 169, III).
No entanto, o direito de preferência do locatário, disciplinado no art. 27 da Lei de Locações, aplica-se à hipótese de venda, promessa de venda ou dação em pagamento. A permuta, por disposição expressa do art. 32 da mesma lei, está excluída desse rol, juntamente com outras operações como doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.
Em relação à permuta com torna em dinheiro, o entendimento jurisprudencial, como evidenciado no AREsp 1.240.958/SP, é de que essa modalidade também se enquadra fora do escopo do direito de preferência, desde que a permuta seja autêntica e não uma simulação de contrato de compra e venda. Caso contrário, se reconhecida judicialmente a simulação, abre-se espaço para o exercício do direito de preferência pelo locatário.
É necessário observar que tanto na permuta pura quanto na permuta com torna, a troca de bens deve ser essencial à avença. A impossibilidade prática de o locatário cobrir a oferta – por envolver bens infungíveis ou contraprestações complexas – justifica a inaplicabilidade da preferência. A paridade de condições é requisito sine qua non para o exercício desse direito, o que raramente se verifica nas permutas imobiliárias.
O dinamismo do setor imobiliário demanda atenção às transformações possíveis nas tratativas contratuais. Em alguns casos, negociações inicialmente estruturadas como permuta podem ser convertidas em compra e venda, com contraprestação em pecúnia, o que pode reconfigurar os efeitos jurídicos relacionados ao direito de preferência.
Há entendimentos dos, doutrinadores que reforçam a inaplicabilidade da preferência nas permutas imobiliárias, especialmente na denominada “permuta no local”, argumentando que:
1.O exercício do direito de preferência exige que o preferente, de forma pessoal, possa igualar a proposta, o que pressupõe ser ele um incorporador imobiliário, capaz de desenvolver empreendimento idêntico.
2.As unidades futuras que servirão como contraprestação na permuta são infungíveis por natureza, não apenas por sua localização, mas por fatores como o projeto, o padrão construtivo e a credibilidade do incorporador;
3.Características subjetivas do proponente (solidez, histórico de entregas, financiamento, entre outros) impactam objetivamente a equação econômica do negócio, impossibilitando a equiparação pelo locatário.
O registro do contrato de locação na matrícula do imóvel confere publicidade e eficácia contra terceiros (efeitos erga omnes), o que garante ao locatário, caso preterido, o direito de pleitear a adjudicação do imóvel nas condições ofertadas, conforme o art. 33 da Lei n. 8.245/91. Para tanto, deve realizar o depósito judicial do valor da aquisição e das despesas de transferência no prazo legal de seis meses.
Na ausência da averbação do contrato, embora o direito de preferência não possa ser exercido com eficácia real, subsiste a possibilidade de ação indenizatória contra o locador, desde que comprovado o dano efetivo nos termos do art. 944 do Código Civil. A indenização pode incluir perdas e danos, inclusive lucros cessantes, como nos casos em que o locador desiste do negócio após o locatário aceitar a proposta, conforme prevê o art. 29 da Lei de Locações.
A cláusula de vigência somente produz efeitos contra o adquirente do imóvel quando averbada, sendo este o instrumento que assegura a manutenção da locação após a transferência de titularidade. A publicidade gerada pela averbação torna o contrato visível aos interessados e evita surpresas jurídicas futuras. Sublocatários, por sua vez, também são beneficiários dessa proteção, conforme dispõe a legislação aplicável.
Conclui-se que a não averbação do contrato de locação não vincula o novo proprietário a respeitar seus termos, autorizando a extinção da relação locatícia. Ainda assim, o locatário pode buscar reparação por eventuais danos, desde que comprove a extensão do prejuízo.
Nesse cenário, a informação de que o imóvel em negociação está locado exige cuidadosa análise das implicações jurídicas. Recomenda-se incluir cláusulas suspensivas ou resolutivas no contrato de permuta para assegurar que o promitente permutante resolva previamente as questões locatícias, evitando, assim, a frustração da operação e litígios com terceiros.
*Remo Higashi Battaglia é fundador do Battaglia e Pedrosa Advogados, com 25 anos de trajetória, palestrante e especialista em Direito Imobiliário e Proteção Patrimonial. remo@bpadvogados.com.br