Patrimônio de Afetação: as diferenças da aplicabilidade nas incorporações e loteamentos

Gabriela Silva Soares Oliveira*

No ano de 1999 e com a falência da Encol, o Poder Executivo percebeu o enorme risco no mercado imobiliário que prejudicava o direito à moradia daqueles que adquiriam unidades imobiliárias na planta.

Diante disso, foi criada a Lei 10.931/04, que instituiu o Patrimônio de Afetação com o objetivo de garantir maior segurança jurídica ao adquirente, trazendo ainda, alguns incentivos para o incorporador em optar em afetar o patrimônio de sua incorporação.

No entanto, a Lei 14.620/2023 foi promulgada, a qual dispõe sobre as novas diretrizes do Programa Minha Casa, Minha Vida, e, consequentemente, promovendo a alterações legislativas.

Dentre as alterações operadas pela nova Lei, a inclusão dos artigos 18-A na Lei 6.766/79 traz a possibilidade da instituição do regime de patrimônio de afetação em loteamentos, tendo em vista, que a instituição do regime somente cabia à incorporação imobiliária.

Nesse sentido, o presente artigo trará conceitos sobre os institutos como patrimônio de afetação, incorporação imobiliária e loteamento, bem como, abordará quais as diferenças na aplicabilidade do regime nas incorporações e nos loteamentos.

  1. Conceito de patrimônio de afetação:

O artigo 31-A da Lei 4.591/64, diz que quando a incorporação é submetida ao regime, o terreno e as acessões objeto desta incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

No entanto, o artigo 18-A da Lei 6.766/79 (alteração pela Lei 14.620/23), diz que o loteamento também poderá ser submetido ao regime de afetação, a critério do loteador, pelo qual o terreno e a infraestrutura, bem como os demais bens e direitos a ele vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do loteador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução do loteamento correspondente e à entrega dos lotes urbanizados aos respectivos adquirentes.

Dessa forma, compreende-se que as mesmas regras e garantias que se aplicam as incorporadoras também se aplicam ao Loteamento, porém, com algumas diferenças que serão abordadas a seguir.

  1. As diferenças do Patrimônio de Afetação nas Incorporações e Loteamentos

A Incorporação Imobiliária e o Loteamento ao adotarem o regime de afetação, o empreendimento passa a ter administração própria e segregada, de tal forma que o que essa incorporação e loteamento já registrados e com o patrimônio afetado não se comunicam com as demais obrigações, bens e direitos do incorporador e do loteador, inclusive na hipótese de falência ou insolvência deste.

Contudo, em razão dessa segregação e da adoção ao regime, o incorporador detém as seguintes vantagens e desvantagens, vejamos:

4.1- Das vantagens:

Regime Especial de Tributação (RET): Há a redução tributária, o qual unifica em uma única alíquota, no percentual de até 4% em casos de empreendimentos gerais e/ou 1% em casos de empreendimentos integrantes do Programa Casa Verde e Amarela, o pagamento de tributos federais;

Aprimoramento na gestão: A incorporadora ao optar pelo Regime de afetação se permite a aprimorar a gestão de negócios deste empreendimento, havendo registro contábeis independentes, conta bancária específica e auditoria de forma periódica;

Publicidade positiva: No marketing do empreendimento garantirá a seriedade, segurança, organização, boa imagem da incorporação;

Contabilidade organizada: Manter a contabilidade do empreendimento em ordem, pois haverá uma comissão fiscalizadora. No entanto, a consequência dessas exigências é a saúde financeira e organização do empreendimento.

Retenção de 50% em caso de desistência do comprador: A Lei 13.786/2018 – “Lei de Distratos” que incluiu na Lei de Incorporações o parágrafo 5o, do Artigo 67-A, a possibilidade de retenção de 50% (cinquenta por cento) das quantias pagas pelo adquirente na hipótese de desistência pelo comprador, caso a incorporação esteja submetida ao patrimônio de afetação.

4.2 Das desvantagens:

Burocracia: Além das exigências legais referente a própria incorporação, o incorporador deverá ainda seguir os regramentos a respeito do patrimônio de afetação e se submeter a fiscalização dos adquirentes ou de uma comissão de representante que tem por objetivo acompanhar todos os passos do empreendimento.

Acervo Patrimonial do incorporador: O incorporador ao segregar o patrimônio do empreendimento do patrimônio do incorporador, faz com que reduza a parte que ficará responsável pelos demais gastos, tributos não abrangentes pelo regramento do patrimônio de afetação, podendo assim tornar-se um risco ao incorporador.

Já para o loteador as vantagens e desvantagens se resumem a:

4.3 Das vantagens:

Aprimoramento na gestão: conforme há nas incorporações.

Publicidade positiva: conforme há nas incorporações.

Contabilidade organizada: conforme há nas incorporações.

4.4 Das desvantagens:

Regime Especial de Tributação: A Lei 14.620/23 que instituiu o Patrimônio de Afetação nos Loteamentos, NÃO alterou a Lei 10.931/04 em que pudesse promover a possibilidade de equiparação total ao que se aplica as incorporações. Sendo assim, não há a redução tributária bem como, não há a possibilidade de adesão ao RET (Regime Especial Tributária), portanto, até a presente data não há a possibilidade de aplicação do RET em casos de Loteamentos que tenham afetado o patrimônio, pois, a Lei foi omissa nesse ponto;

Retenção de 50% em caso de desistência do comprador: Não há previsão legislativa e jurisprudencial em que possa concluir a aplicação do artigo 67-A, §5º da Lei 4.591/64, conforme e aplicado as incorporações, pois a Lei 14.620/23 também não promoveu qualquer alteração que pudesse ensejar tal tipo de retenção e devolução, sendo assim, o loteador deverá aplicar a “Lei de Distratos” (Lei 13.786/18).

  1. Conclusão:

Conclui-se, que é primoroso reconhecer que as incorporações imobiliárias e os loteamentos com patrimônio de afetação devidamente registrado na Certidão de Matrícula do imóvel terão mais chances de se tornarem empreendimentos de sucesso, tanto pelas vantagens expostas, quanto pela maior transparência do negócio firmado entre todos os envolvidos.

No entanto, para o Loteador a nova legislação foi omissa quanto as vantagens que o incorporador possui ao afetar o patrimônio, como por exemplo, o RET e a forma de retenção e devolução em caso de Rescisão. Podendo ocorrer a não adesão dos loteadores, pois, a vantagens apresentadas podem não se tornar atraentes para que possam aderir ao Regime.

Portanto, sugere-se que futuramente haja uma uniformização da norma relacionada ao patrimônio de afetação e que esta possa englobar todos os modelos de empreendimentos, para que assim haja mais incentivos, segurança e credibilidade para o mercado imobiliário com um todo.

*Gabriela Silva Soares Oliveira é advogada, pós-graduada em Direito Imobiliário e atuante na área de Direito Imobiliário no escritório Dias e Amaral Advogados Associados. Associada no Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Imobiliário e Condominial. E-mail para contato: gabriela.silva@diaseamaral.adv.br. Gabriela está no Instagram como @gabriela.oliveira_adv e no LinkedIn como Gabriela Silva Soares Oliveira.

  1. Referências:

CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

BRASIL. Lei n. 4591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/L4591.htm Acesso em: 14/08/2023.

BRASIL. Lei n. 10.931, de 02 de agosto de 2004. Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm Acesso em: 16/08/2023.

BRASIL. Lei n. 13.786, de 27 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13786.htm Acesso em: 28/08/2023.

BRASIL. Lei n. 14.620, de 13 de julho de 2023. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e alterações. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14620.htm Acesso em: 28/08/2023.