Os dilemas do aborto

jornalista rosenwal ferreiraDe acordo com pesquisas inéditas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8,7 milhões de brasileiras, com idade entre 18 e 49 anos, já fizeram ao menos um aborto na vida. Destes, 1,1 milhão foram provocados por métodos diversos. Porém, é possível deduzir que o percentual de mulheres que praticou o ato seja muito superior ao resultado encontrado pela pesquisa. A legislação brasileira atual prevê o aborto em apenas três situações: para salvar a vida da mãe, em caso de estupro ou comprovação de feto anencefálico. Nas demais situações, cujo aborto é praticado de forma proposital, o artigo 124 do Código Penal brasileiro indica prisão de um a três anos.

Este é um tema de profunda tragédia no universo feminino e vai além das atuais escaramuças entre grupos religiosos e segmentos que procuram flexibilizar o procedimento em terras brasileiras. Ele tem cor e renda. Nos rincões do nordeste, sobretudo entre meninas de 13 a 15 anos, o percentual de mulheres sem instrução que recorreram a essa decisão degradante é sete vezes maior do que as que possuem curso superior. A região é responsável por 37% do total de casos, onerando de forma cabal as despesas hospitalares do INSS com graves problemas para tratar jovens com sequelas abortivas.

Entre as mulheres pretas, o índice de aborto provocado é o dobro do que se verifica entre as brancas. Com apenas essas informações básicas, o estudo é amplo e permite múltiplas análises. É possível inferir que o tópico é um assunto de saúde pública. Cidadãos com um mínimo de consciência cristã, entre os quais eu me incluo, são contra a prática e a favor da legislação proibitiva.

Mas, o que fazer para enfrentar a realidade, goste ou não os que são contra, para enfrentar uma equação tão complexa? No Uruguai, para citar um exemplo que vem dando certo, o país mudou a legislação, legalizou o aborto, estabeleceu uma rede de apoio psicológico, médico e estrutural às pretendentes e diminuiu o ato em até 30%. Paradoxalmente seria o caso de se concordar com o que se discorda para um sucesso mais efetivo.

O grande nó da questão é que a sociedade, no calor de paixões que colocam pessoas bem intencionadas do lado oposto da margem do rio, não discute o assunto com a seriedade que merece. Resultado: é possível que se continue a enfiar sujeira embaixo do tapete, perpetuando injustiças, sem que o gravíssimo problema seja amenizado.

Ninguém, até os que defendem com discursos implacáveis qualquer iniciativa para legalizar o tópico, duvida que a elite pratique o crime em consultórios de luxo, sob todos os cuidados e sem traumas físicos aparentes, já que o aspecto psicológico sempre existe. A maior parte da galera se entope de remédios, mutila-se com agulhas de tricô ou toma garrafadas e todo tipo de tranqueira. Muitas vezes essa galera morre junto com o feto ou amarga as sequelas físicas por meses a fio. É assim que tem que ser?

O ideal, claro, seria um processo de conscientização capaz de promover o uso de contraceptivos para que se evite a gravidez. Uma tarefa que o poder público não tem realizado com sucesso. A boa pergunta que fica é a seguinte: além de vociferar nos diversos púlpitos, o que tem feito os religiosos  – todos nós que professamos a fé em Cristo – para evitar o gesto de desespero? É bom lembrar sempre que se condena que esse é um procedimento de aflição extrema. Quem se atreve não tem o suporte da família e menos ainda de homens que se acovardam e lavam as mãos. Em muitos casos são os que mais atiram pedras.

*Rosenwal Ferreira é jornalista e publicitário