O STF como descumpridor da Constituição Federal: uma reflexão crítica

Marcelo Bareato*

O Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha um papel essencial no sistema jurídico brasileiro, sendo responsável por guardar a Constituição Federal, conforme disposto no artigo 102. No entanto, o órgão tem enfrentado críticas crescentes sobre decisões que, segundo alguns analistas e juristas, extrapolam sua competência ou até mesmo desrespeitam o texto constitucional. Destarte, uma reflexão crítica sobre o tema, abordando as principais questões levantadas, se faz necessária e bastante oportuna.

O STF é a instância máxima do Poder Judiciário, com a função de interpretar a Constituição e assegurar sua aplicação. Como guardião da Carta Magna, espera-se que suas decisões estejam fundamentadas nos princípios constitucionais, respeitando a separação dos poderes (artigo 2º da Constituição) e garantindo direitos fundamentais, sem adentrar em outras discussões que envolvam, por exemplo, dilemas (julgamentos pautados na moral e nos bons costumes).

No entanto, nas últimas décadas, o STF tem assumido um protagonismo político cada vez maior, o que levanta dúvidas sobre a compatibilidade de algumas de suas decisões com os preceitos constitucionais. Essa atuação é frequentemente classificada como “ativismo judicial”, termo que se refere à interferência do Judiciário em competências que, em princípio, seriam dos poderes Executivo e Legislativo.

Não por menos, são exemplos de decisões controversas:

1) Prisão após condenação em segunda instância

O STF já alterou seu entendimento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância diversas vezes, causando insegurança jurídica. Em 2016, a Corte permitiu a execução provisória da pena. Porém, em 2019, reverteu esse entendimento, argumentando que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado, conforme o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição. As mudanças frequentes sugerem um possível alinhamento às pressões políticas e sociais, em vez de um compromisso consistente com o texto constitucional.

2) Decisões monocráticas de ministros

O uso excessivo de decisões monocráticas por ministros do STF tem gerado críticas. Em casos de grande relevância, como os relacionados à pandemia de COVID-19 ou à intervenção em políticas públicas, ministros decidiram sozinhos questões que deveriam ser analisadas pelo plenário. Essa prática contraria o princípio da colegialidade e enfraquece a legitimidade das decisões.

3) Interferência em competências dos outros poderes

Decisões do STF que suspendem decretos do Executivo ou anulam legislações aprovadas pelo Congresso Nacional também têm sido apontadas como violações à separação dos poderes. Um exemplo emblemático foi a suspensão de decretos que flexibilizavam o porte de armas, com base em uma interpretação que contraria a autonomia do Poder Executivo para regulamentar políticas dentro de sua esfera de competência.

4) Censura e liberdade de expressão

A decisão do STF de ordenar a remoção de conteúdos de plataformas digitais, sob o argumento de combater a desinformação ou proteger a democracia, tem sido questionada por juristas. Embora a Constituição preveja limites à liberdade de expressão (artigo 5º, IV e IX), muitas dessas decisões são interpretadas como restrições desproporcionais, que ferem o direito à livre manifestação do pensamento.

O descumprimento da Constituição por parte do STF, nesse protagonismo político-judicial desenfreado, traz consequências graves para o Estado Democrático de Direito, na medida em que possibilita:

  1. a) Insegurança Jurídica: Decisões conflitantes ou de caráter político enfraquecem a confiança na Justiça e dificultam a previsibilidade das normas.
  2. b) Crise Institucional: A percepção de que o STF interfere nas competências dos outros poderes intensifica a polarização e prejudica a harmonia entre os Poderes.
  3. c) Desconfiança Popular: Uma sociedade que vê seu Judiciário como parcial ou politizado perde a fé nas instituições democráticas.

Embora pareça comum dizer que o STF tenha um papel crucial no ordenamento jurídico brasileiro, sua atuação deve ser pautada pela estrita observância da Constituição Federal. Quando a Corte extrapola suas competências ou decide de forma a contrariar os princípios constitucionais, coloca em risco a integridade do sistema democrático. É fundamental que se mantenha o respeito aos limites de sua atuação, valorizando a separação dos poderes e garantindo o cumprimento da Constituição de maneira coerente e imparcial.

Finalmente, meu Caro Leitor, o debate proposto neste artigo, sobre o papel do STF no Brasil, é essencial para o fortalecimento da democracia e para a construção de um Judiciário que inspire confiança e respeito à ordem constitucional, no sentido de abandonarmos o populismo de algumas decisões para retomarmos o ideal de segurança jurídica, garantindo ao cidadão o direito de saber qual lei será aplicada, quais os seus limites e como se defender dos abusos estatais, caso aconteçam.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial, Direito Internacional Público, Relações Humanas, Criminologia e Execução Penal na PUC/GO e na EBPÓS – Escola Brasileira de Pós Graduação, Conferencista, Parecerista, Advogado Criminalista, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Vice Presidente da ABRACRIM/GO – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Seccional Goiás, Membro da Comissão de Direitos Humanos da Seccional OAB/GO, Membro da Coordenação de Política Penitenciária da OAB/Nacional, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Coordenador da Comissão Intersetorial de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, Membro da ABA – Associação Brasileira dos Advogados, Membro da AASP – Associação dos Advogados do Estado de São Paulo/SP, Membro do IBCcrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).