As técnicas de conciliação já aplicadas em processos de família devem estar entre as alternativas prioritárias. Mas, havendo resistência e até mesmo intransigência de uma das partes, o Poder Judiciário pode determinar medidas mais incisivas, afinal, deve sempre prevalecer o melhor interesse da criança.
O que fazer quando um ou ambos os pais não autorizam os filhos a serem vacinados?
A tão aguardada vacinação de crianças de 5 a 12 anos foi enfim autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e representa um desfecho de esperança para o fim de ano de muitos pais e mães. Ao que tudo indica, a rotina de vacinação contra a covid-19 vai fazer parte da rotina da população mundial nos próximos anos. Mas há situações em que os genitores ou um deles não autoriza a vacinação e nesses casos há medidas judiciais cabíveis.
Do ponto de vista legislativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é bastante objetivo ao definir no artigo 14 que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. A lei também assegura o “acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde” (art.11).
Mas como é possível efetivar esse direito na prática?
Um adolescente, por exemplo, pode recorrer ao Conselho Tutelar ou a algum familiar que possa ajudá-los a buscar auxílio jurídico. É possível, por meio de um curador, ajuizar uma ação que lhe garanta a proteção. Esse curador pode, em alguns casos, ser nomeado pelo Ministério Público. Ainda que o pátrio poder tenha de ser respeitado, a vida é um bem maior e a sua proteção pode demandar medidas mais enérgicas.
A liberdade religiosa é utilizada como argumento por alguns dos pais para rejeitar a vacinação garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal. Contudo nem ela, nem convicções de outra natureza podem se sobrepor ao direito à vida. No confronto entre esses direitos – a liberdade de credo e a saúde – prevalece o imperativo da vida e do bem-estar.
No início de 2020, antes que a pandemia chegasse ao Brasil, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) determinou que pais que se recusavam a vacinar os filhos por motivos religiosos colocassem todas as vacinas pendentes do esquema de imunização em dia. O entendimento foi o de que cabe ao poder público prover políticas voltadas à saúde das crianças e adolescentes e que esse dever se estende à família e não pode ser sobreposto por interesses particulares dos pais.
Iniciativas como exigir a vacinação para participar de programas assistenciais do governo ou a apresentação da caderneta de saúde no ato de matrícula escola são medidas já tradicionalmente utilizadas no Brasil para incentivar a imunização. No caso de crianças menores em que o pais se omitam em relação à vacinação, familiares, pessoas próximas ou mesmo representantes da escola podem acionar o Conselho Tutelar ou o Ministério Público.
E, nas situações em que um dos pais se oponha à vacinação, também é possível que um dos genitores recorra ao Judiciário para garantir o direito à saúde da criança. Caso os pais sejam separados, o tema pode inclusive ser abordado no debate sobre a guarda da criança. Vale observar, contudo, que essa jamais deve ser uma moeda de troca nos litígios de família.
*Alan Bousso é advogado e mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP)