O que esperar da proposta do atual governo de regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos

Marco André Carvalho*

Na tarde da segunda-feira (4/3), em uma coletiva de imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a regulamentação dos motoristas por aplicativo cria “uma nova organização de trabalho”. Ele já assinou o Projeto de Lei Complementar (PLC) que será enviado ao Congresso Nacional, em solenidade no Palácio do Planalto com a presença de autoridades, sindicatos e empresas como Uber e 99.

Segundo a proposta, será criada a categoria “trabalhador autônomo por plataforma”, que não terá vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com sindicatos próprios e patronais.

Inicialmente, o governo havia afirmado que estudava uma proposta de vincular estes trabalhadores pela CLT, houve a criação de um grupo de trabalho para regulamentar trabalhadores por aplicativos, onde trabalhadores, os representantes das empresas de aplicativo e o governo estavam estudando quais as melhores formas de regularizar o tema.

No entanto, diferentemente do que foi afirmado inicialmente, o PLC apresentando não vincula esses trabalhadores pela CLT.

A solução apresentada na proposta gira em torno da ideia de um trabalhador autônomo por plataforma.

O primeiro ponto, e um dos que mais chama à atenção na proposta é a jornada máxima de trabalho que será de oito horas por dia, podendo chegar a doze horas caso haja acordo por convenção coletiva.

As horas trabalhadas somente serão contabilizadas enquanto horas em que o motorista estiver em corrida, e não aquelas em que o motorista está com o aplicativo ligado buscando um passageiro.

Todos nós, que já usamos transporte por aplicativo já passamos por alguma situação de direção perigosa, ou, conhecemos alguma história de alguém que já se viu em uma situação delicada diante do stress ou nervosismo do motorista. Atualmente já existem motoristas que dirigem mais de 12 horas, e provavelmente ninguém gostaria de ser passageiro de um trabalhador no comando de um objeto que facilmente pode chegar a 100km/h.

Dessa forma, dar a possibilidade deste trabalhador (que não tem direito a intervalo intrajornada e interjornada) dirigir doze horas por dia em um país em que, segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) é o 3º no ranking de acidentes com mortes no trânsito não parece a solução mais justa e adequada para a nossa sociedade.

Além disso, também ficou ajustado no PLC o pagamento mínimo que será definido como R$ 32,09 por hora. O valor deverá ser reajustado anualmente, de forma igual ou superior ao aumento do salário mínimo. Já a contribuição previdenciária ficará definida como 7,5% sobre a remuneração (ou seja, R$ 8,02/hora), sendo que as empresas pagarão outros 20%.

Ainda há o direito ao auxílio-maternidade reajuste anual da base de remuneração conforme o salário mínimo.

Também ficou estipulado que as plataformas digitais terão de seguir diretrizes para excluir trabalhadores dos aplicativos. A exclusão do trabalhador somente poderá ocorrer de forma unilateral pela empresa nas hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, garantido o direito de defesa.

As plataformas poderão sofrer fiscalização de auditores do trabalho, e caso descumpram a lei, elas estarão sujeitas à multa no valor de cem salários mínimos, o que dá R$ 141,2 mil neste ano.

A minuta prevê também que haverá representação dos trabalhadores por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas” e as empresas intermediárias serão representadas por entidade sindical da categoria econômica específica.

Essa negociação coletiva, na atual fase em que os sindicados se encontram (pós reforma trabalhista, sem fontes de custeio, enfraquecido e com pouquíssimos sindicalizados) não parece que apresentará muitas vantagens aos trabalhadores ou mesmo as plataformas, que a princípio só deverão querer negociar para elastecer a jornada de trabalho.

Com isso, todas as discussões na Justiça do Trabalho que envolviam o pedido de vínculo de emprego perdem o sentido, já que agora a própria lei classifica esses trabalhadores como: “trabalhador autônomo por aplicativo”.

Havia ainda, na Suprema Corte um recurso (tema 1291) um recurso apresentado pela Uber, que teve o reconhecimento de repercussão geral, de questão envolvendo o reconhecimento de vinculo dos motoristas de app, o que também perderá o sentido com a regularização dessa profissão, resultando no impacto direto a pelo menos 10 mil processos sobrestados sobre o mesmo tema.

Vale ressaltar que, a abordagem desse projeto contrasta diametralmente com a decisão da União Europeia que no ano de 2023, que estabeleceu regras para reconhecer o vínculo formal entre trabalhadores e plataformas como a Uber.

Independentemente de qualquer tipo de juízo de valor, sobre se seria mais benéfico ou não a regulamentação via CLT desses trabalhadores. O que se esperava minimamente da proposta eram normas de saúde e segurança mais firmes para esses trabalhadores, que são muito extremamente precarizados.

De acordo com o mesmo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, órgão vinculado a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil é o segundo país, entre os países do G20, com o maior número de mortes ocasionadas por acidentes no trabalho.

Em 2020, foram mais de 46 mil acidentes de trabalho, cerca de 289 mil pessoas recorreram ao auxílio-doença e se afastaram do emprego, em função de alguma doença física ou mental, como depressão, estresse e outros.

Não há nada no projeto de lei do governo sobre normas de saúde e segurança destes trabalhadores, não há qualquer menção sobre o uso de equipamentos de proteção individual, cursos de capacitação, seguro acidente, locais para descanso, intervalos, alimentação e uso de banheiros.

Infelizmente, o mínimo que se esperava, independentemente da vinculação jurídica destes trabalhadores, eram as normas de saúde e segurança, para os trabalhadores por aplicativo, tendo em vista o grande número de casos de acidente de trabalho no Brasil e também a quantidade de acidentes no trânsito.

Independentemente de todas as considerações jurídicas já feitas, fica evidente que a aprovação deste Projeto de Lei trará implicações profundas não só para os motoristas de app. Isso porque, este é o primeiro tipo de regulamentação feita para trabalhadores de plataforma no Brasil, sendo, portanto, um marco regulatório para a forma como possivelmente todas as demais profissões que se usem de aplicativos serão pensadas e regulamentadas a partir de agora. 

*Marco André Carvalho é advogado, professor, especializado em direito do trabalho e processo do trabalho, e coordenador do núcleo de direito do trabalho do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).