Aline Sena Barcellos e Isabela Resende Calixto*
Vivemos a era do “compre agora”. Com um clique, adquirimos peças produzidas do outro lado do mundo a preços tão baixos e raramente nos perguntamos como são fabricadas. O crescimento vertiginoso de plataformas chinesas como Shein e Temu não apenas reflete uma alteração dos padrões de consumo, como escancara as falhas estruturais de um sistema de moda global que frequentemente negligencia direitos fundamentais, degrada o meio ambiente e banaliza o discurso da sustentabilidade.
O Direito da Moda, campo jurídico interdisciplinar e em franca expansão, nos convoca a ultrapassar o plano estético. Ele exige reflexão crítica sobre os impactos sociais, ambientais e normativos da indústria da moda. A lógica do fast fashion – agora potencializada pelo ultra fast fashion – é movida pela busca incessante por crescimento rápido e métricas de desempenho. Nesse contexto, práticas como “greenwashing”, exploração da mão de obra com violações a direitos trabalhistas são ocultadas sob o véu de campanhas sedutoras e algoritmos que impulsionam o consumo.
As plataformas digitais de origem chinesa tornaram-se ícones desse sistema. Operando por meio de brechas regulatórias e ausência de fiscalização eficaz, muitas vezes perpetuam jornadas exaustivas, negação de direitos básicos e descarte indiscriminado de resíduos têxteis – tudo em nome de uma moda descartável e efêmera.
É preciso, porém, olhar para além da caricatura do “consumista inconsequente”. No Brasil, grande parte dos usuários dessas plataformas são pessoas de baixa renda, que buscam meios acessíveis de se vestir e acompanhar tendências. Para muitos, essas opções representam a alternativa viável diante da inacessibilidade de produtos semelhantes, no mercado nacional.
Não é razoável atribuir a essas pessoas a culpa por alimentarem esse sistema. A responsabilidade deve recair sobre os fatores estruturais: por que produtos sustentáveis ainda são privilégio de poucos? Como garantir que o acesso à moda ética seja democratizado?
Nesse cenário, o pequeno e médio empresário nacional também merece atenção. Cumprir rigorosamente as obrigações fiscais, ambientais e trabalhistas, investir em rastreabilidade e manter uma cadeia produtiva ética implica custos significativos. Exigir responsabilidade social é legítimo, mas inviável sem apoio institucional.
É papel do Estado fomentar esse novo paradigma. Linhas de crédito específicas, incentivos fiscais, programas de capacitação e certificações acessíveis são instrumentos essenciais para tornar competitiva a produção nacional sustentável.
A construção de uma nova lógica de consumo e produção – mais justa, transparente e comprometida com a dignidade humana – depende de todos: poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Sustentabilidade não pode ser luxo. Ética não pode ser exceção.
Mais que tecidos reciclados ou coleções “conscientes”, sustentabilidade é coerência. É o compromisso inegociável com os direitos humanos, com o meio ambiente e com o valor do trabalho digno. Enquanto não entendermos que cada escolha de consumo também é uma escolha política e jurídica, perpetuaremos um ciclo que fere a dignidade humana e destrói o planeta.
É hora de vestir a mudança – com responsabilidade, justiça e visão de futuro.
*Aline Sena Barcellos é sócia do escritório Felicíssimo Sena e Advogados Associados, advogada especialista em Direito da Moda e Presidente da Comissão Especial de Direito da Moda da OAB-GO.
*Isabela Resende Calixto é graduanda em Direito pela PUC-GO e estagiária do escritório Felicíssimo Sena e Advogados Associados.