O enfrentamento do Princípio da Fungibilidade Recursal no TJGO

Kelvin Wallace Castro dos Santos e Alan Kardec Cabral Jr.

Kelvin Wallace Castro dos Santos e Alan Kardec Cabral Jr*

Em se tratando de Processo Penal, não são raras as vezes em que o operador do direito ocasionalmente interpõe um recurso impróprio no processo, acreditando que está manejando o recurso adequado para impugnação daquela espécie de decisão judicial.

No entanto, em situações excepcionais, será possível aplicar o princípio da fungibilidade recursal ao caso concreto (art. 579, do CPP), ou seja, é possível em alguns casos admitir o recebimento deste recurso impróprio como se fosse o recurso correto, desde que não detectada má-fé, erro grosseiro ou prejuízo à parte contrária, e sobretudo constatada a tempestividade da interposição recursal.

Em busca de fortalecer a aplicação ou não do instituto em comento, apresentamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para fomentar o conhecimento do operador do direito, sobre as principais situações de aplicação e inaplicação do princípio, vejamos:

  1. Presentes os requisitos de admissibilidade, o pedido de reconsideração de decisão liminar em Habeas Corpus, deve ser recebido como agravo regimental, em atenção ao princípio da fungibilidade recursal (HC nº 5797254-79, 2ª Câmara Criminal, TJGO).
  2. Não se apresenta aplicável o princípio da fungibilidade recursal, para admitir a Apelação como se fosse Recurso em Sentido Estrito, haja vista que o caso concreto não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas no artigo 581 do Código de Processo Penal (Apelação Criminal nº 5618825-08, 3ª Câmara Criminal, TJGO).
  3. Não havendo dúvidas acerca do impulso a ser exercitado, com expressa previsão legal e especial, inviável a aplicação do princípio da fungibilidade, inteligência do art. 593, §4°, do CPP, ao que se impõe o não conhecimento do recurso em sentido estrito por inadequação da via eleita (RESE nº 5139691-56, 4ª Câmara Criminal, TJGO).
  4. Confirma-se o pronunciamento monocrático que não conhece da petição inicial de recurso em sentido estrito manejada em substituição a recurso especial ou extraordinário (RESE nº 5567190-18, 1ª Câmara Criminal, TJGO).
  5. Inexistindo dúvida doutrinária e jurisprudencial, e sendo o texto legal explícito, o erro na interposição do recurso inadequado é considerado grosseiro, afastando a aplicação do Princípio da Fungibilidade (RESE nº 5404425-89, 3ª Câmara Criminal, TJGO).
  6. A carta testemunhável é o recurso adequado contra decisão que denega seguimento a agravo em execução (artigo 693, inciso I, CPP), no entanto, adotando-se interpretação liberal e observando-se a regra da fungibilidade, pode-se conhecer do habeas corpus substitutivo da carta testemunhável (HC nº 5408319-72, 1ª Câmara Criminal, TJGO).
  7. Em atenção ao princípio da fungibilidade (art. 579, CPP), não se constatando erro grosseiro ou má-fé e sendo tempestivo, recebe-se o recurso em sentido estrito como se apelação fosse (RESE nº 5473602-09, 3ª Câmara Criminal, TJGO).
  8. Da parte da decisão que não admite recurso constitucional por óbice sumular é cabível o agravo para a respectiva Corte Superior (inteligência do art. 1.042, CPC), razão por que, neste particular, não se conhece do agravo interno, afastando o princípio da fungibilidade. Desta forma, a interposição do agravo interno caracteriza erro grosseiro, impedindo a aplicação do princípio da fungibilidade (Agravo Interno no RE nº 0399627-76 e Embargos de Declaração no Agravo Interno no RE nº 0271182-74, Órgão Especial, TJGO).
  9. Em caso de inadmissão de Recurso Especial ou Extraordinário, é cabível o Agravo (artigo 1.042 do Código de Processo Civil) para o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, conforme o caso, salvo quando a decisão se pautar na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos, na qual desafiaria o Agravo interno (artigo 1.021, do Código de Processo Civil), o que não é a hipótese dos autos, afigura-se erro grosseiro, que afasta a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade (Agravo Interno no ARE nº 0260639-64, Órgão Especial, TJGO).
  10. Não obstante a oposição de embargos declaratórios no mandado de segurança, para o reexame da decisão monocrática objurgada, devem ser recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da fungibilidade (Agravo Regimental em MS nº 5354103-08, Seção Criminal, TJGO).

Verifica-se que, a jurisprudência do TJGO apontada, registra com recorrência o termo: erro grosseiro, para afastar a aplicação do princípio, porém, vale ressaltar que, ao repararmos no teor art. 579 do CPP, que trata da aplicação do princípio da fungibilidade, a redação não fala em erro grosseiro, mas apenas em má-fé, e ambos não são sinônimos.

Constata-se então que, resta ao operador do direito buscar a melhor definição de má-fé no Código de Processo Civil, conforme permissão do art. 3º do CPP, dessa forma, conforme dispõe o texto legal do art. 80 do CPC, conclui-se que haverá má-fé quando presente hipótese de “I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.

Com reflexo apenas nas disposições legais, não haveria espaço para afastar a aplicação do princípio da fungibilidade pelo famigerado erro grosseiro, sendo necessário a constatação de má-fé, que somente restaria configurada, se utilizada para justificar a incidência das hipóteses do art. 80 do CPC, não sendo razoável a negativa do princípio fora desse campo.

Embora haja esforço na jurisprudência dos Tribunais Superiores em adotar o posicionamento (STJ. 3ª Seção. EDcl no AgRg nos EAREsp 1.240.307-MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 8/2/2023), é perceptível a tormentosa divergência, sacramentando o uso indevido do termo erro grosseiro, forçando sua entrada subliminar no texto do art. 579 do CPP, pra fins de justificar o afastamento do princípio da fungibilidade (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.108.099/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/8/2023).

Portanto, embora exista discussões valiosas sobre a (in)aplicação do princípio nos Tribunais Superiores e longe de esgotar todos os debates sobre o tema, revelamos situações específicas que exigem do profissional atenção e zelo na atuação do Processo Criminal, pois existem normas expressas que estabelecem com precisão os únicos meios adequados de submissão das decisões à revisão do Poder Judiciário.

Kelvin Wallace Castro dos Santos é advogado Criminalista e Professor Universitário. Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Damásio-GO); especialista em Docência Universitária (Unialfa-GO); e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim-GO.

Alan Kardec Cabral Jr. é advogado criminalista e professor. Mestre em Direito e especialista em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal.