O arrependimento em compras online: direito ou benefício?

Gabriel Lucas Freitas*

Repercutindo o discurso efusivo do então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, proferido no dia 15 de março de 1962, a organização Consumers International instituiu, em 1983, a efeméride do “Dia Mundial do Consumidor”, dando início a um movimento, abraçado pela Organização das Nações Unidas, de conscientização a respeito da importância de tutela especial dos direitos dos consumidores, entendidos como uma parte mais vulnerável nos contratos comerciais. Entre esses direitos, à luz do recente avanço do comércio eletrônico, destaca-se o direito ao arrependimento, prerrogativa essencial que, no entanto, é lamentavelmente desconhecida pela maior parte dos consumidores.

Do direito do consumidor

Tão expressivo é o mercado digital na atualidade que 62% dos consumidores realizam entre duas e cinco compras online mensalmente, enquanto 85% fazem pelo menos uma compra por mês virtualmente2. Esses dados evidenciam a crescente preferência dos brasileiros pelo comércio eletrônico e sugerem um espaço amostral amplo, para o qual o direito ao arrependimento ainda não é invocado proporcionalmente. Desse modo, a despeito do relevante crescimento nas compras online, impulsionado por inovações tecnológicas e pela dinamização da economia globalizada, esse desconhecimento torna especialmente grave a condição de vulnerabilidade dos consumidores.

A ignorância a respeito das próprias prerrogativas, pelo consumidor, têm causas variadas, dentre as quais se destacam: a) a falta de divulgação por empresas, na medida em que omitem esse direito ou falham em comunicá-lo; b) o desconhecimento da legislação, de parco acesso à maior parte da população, que não é habituada a consultar os seus direitos e os dispositivos legais; c) o rebuscamento da linguagem dos contratos; d) a cultura consumerista, patente na tendência do consumidor em aceitar, sem questionamento, as regras estabelecidas pelo vendedor; e) a falta de letramento no comércio digital ou de uma educação anticonsumerista; e f) a imposição de empecilhos burocráticos, com o objetivo de desencorajar o consumidor a reclamar o que lhe é direito.

Além da omissão, frequentemente, de maneira maliciosa, empresas utilizam a oferta mesma do período devolutivo previsto no artigo 493 do CDC como estratégia de marketing, influenciando diretamente as decisões do consumidor ao qualificá-lo como um diferencial de mercado, um benefício exclusivo, quando, na verdade, é uma garantia legal, de cumprimento obrigatório a todos os negócios situados virtualmente.

Do direito das empresas

Não obstante a inegável vulnerabilidade dos consumidores em relação às empresas, também essas são objeto de proteção legal. Existem limites ao exercício e invocação do direito ao arrependimento, que almejam a segurança jurídica de ambas as partes do contrato comercial.

Cumpre, para fins de esclarecimento que, embora o direito de arrependimento seja uma importante ferramenta no combate aos abusos e na proteção ao consumidor, o entendimento dos tribunais e de doutrinas prevê situações específicas para os quais o direto ao arrependimento não se aplica: a) os produtos personalizados (feitos sob demanda); b) os serviços já executados com consentimento do consumidor; c) produtos perecíveis ou de higiene pessoal; e d) mídias digitais e softwares abertos e ativados.

Ademais, com base na ausência de previsão legal para o arrependimento tardio, legitimamente, a empresa pode reservar-se o direito de recusar quaisquer tentativas de devolução de produto ou valor decorridos os 7 dias postulados no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, ressalvadas situações extraordinárias, quais sejam a presença de defeitos ou vícios do produto, de políticas de garantia contratual da própria empresa, ou, ainda, de vícios ocultos (manifestos posteriormente ao uso do produto adquirido, de maneira anômala, vide artigo 26, §3º, do CDC).

É imperioso frisar que o direito ao arrependimento se aplica exclusivamente às compras realizadas fora do estabelecimento comercial, eximindo lojas físicas dessa obrigação, uma vez celebrada presencialmente a relação de compra e venda. Nesses casos, é facultativa a observância à norma, de maneira que compete ao estabelecimento comercial a disposição ou não de práticas relativas à restituição do objeto ou do seu valor.

A esse respeito, lecionam Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves que “nas situações em que o produto ou serviço é adquirido no estabelecimento, não há o direito de arrependimento. Todavia, na prática, há um costume saudável de as empresas trocarem produtos, em especial quando o consumidor diz não estar satisfeito com eles; ou ainda porque o bem de consumo não lhe serviu. Os fornecedores assim os fazem para não perderem a clientela, mantendo um bom relacionamento com a coletividade consumerista”.

Recomendações

Com o fito de equilibrar poderes, prerrogativas e obrigações das partes, busca-se uma solução justa, para a qual é pertinente observar algumas recomendações. Devem os consumidores e empresas adotar boas práticas que favoreçam uma relação de consumo mais transparente e eficiente, tornando-se essencial que o cliente leia atentamente as políticas de restituição estipuladas pela empresa, preferencialmente antes da compra, garantindo a ciência dos procedimentos e dos prazos para exercer o direito ao arrependimento, se necessário. Recomenda-se, ainda, sempre utilizar o produto com o devido cuidado, evitando que, assim, danos quaisquer possam inviabilizar uma possível devolução.

Caso decida desistir da compra, é importante comunicar a empresa o mais breve possível, respeitando o prazo legal de sete dias. Além disso, o consumidor deve guardar todos os comprovantes da compra e os registros da comunicação com a loja virtual, como e-mails e printscreens das mensagens via aplicativo, para o caso de haver necessidade de atestá-los diante de alguma resistência da empresa em aceitar a troca ou a devolução do produto ou do serviço.

Por sua vez, as empresas devem atuar de maneira clara e acessível, informando com detalhes os direitos previstos no CDC, em especial, o direito ao arrependimento. Sugere-se manter uma comunicação eficiente com o consumidor e facilitar o processo de devolução, esclarecendo procedimentos e condições para reembolso, se couber, evitando barreiras desnecessárias e mal- intencionadas.

Por fim, é fundamental que as solicitações de devolução sejam analisadas de forma justa e transparente, sem a imposição de regras abusivas, respeitando os direitos do consumidor. Para evitar casos de arrependimento, as empresas devem investir em descrições detalhadas junto a imagens nítidas dos produtos. A introdução desse procedimento permite ao comprador uma noção mais precisa do produto antes da compra, favorecendo a lealdade da clientela, forjando com ela vínculos profícuos no futuro e evitando litígios.

*Gabriel Lucas Freitas é graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.