Nulidade do leilão extrajudicial por ausência de intimação do devedor no dia do evento

*Guilherme Cézar Vieira

A Lei nº 9.514/97 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da alienação fiduciária, o qual tem por objetivo garantir o pagamento de uma operação de crédito, geralmente do financiamento de um imóvel.

Havendo o inadimplemento é necessário realizar a intimação pessoal do devedor para, caso deseje, efetive a purgação da mora (pagamento das parcelas em atraso), no prazo de 15 dias, conforme § 3º do artigo 26, da Lei 9.514/97 , caso o devedor-fiduciante não pague as parcelas do empréstimo, o credor-fiduciário pode, extrajudicialmente, e após realizar o respectivo leilão do imóvel.

O escopo do presente artigo é analisar a obrigatoriedade de intimação do fiduciante, para tomar conhecimento do dia do leilão, sob pena de nulidade do mesmo.

O Poder Judiciário, notadamente o Superior Tribunal de Justiça, pacificou o entendimento de que o fiduciante possui o direito de ser intimado do dia do leilão extrajudicial, e que tal direito decorria da interpretação conjunta do art. 39, II da Lei 9.517/97 com os art. 36, §º único do Decreto-Lei 70/66 .

Nesse sentido vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. “No âmbito do Decreto-Lei nº 70/66, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97” (REsp 1447687/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 08/09/2014). 2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (AgRg no REsp 1367704/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 13/08/2015)

É patente e inquestionável, portanto, o direito do devedor fiduciante de ser cientificado do dia em que seu imóvel será leiloado, e ainda, que ausente tal intimação, o leilão poderá ser anulado.

Por fim, convém ressaltar que o referido direito do fiduciante, foi positivado e passou a ser inquestionável. Em julho de 2.017 foi inserido o § 2º-A, no art. 27 da Lei 9.514/97 , através da Lei nº 13.465, de 2017, passando a ser inequívoco a obrigação do credor fiduciário de comunicar o fiduciante das “datas, horários e locais dos leilões” através de “correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.”

Consta na lei que a intimação deve ser realizada por correspondência dirigida ao endereço do fiduciante, e “inclusive” ao endereço eletrônico. Entendemos assim que não se trata de uma faculdade, de uma alternativa ao credor, optar por intimar o devedor através de correspondência ou e-mail, mas sim, uma obrigação de intimá-lo através das duas vias delineadas pelo legislador. Excepcionalmente, a intimação apenas pelo endereço eletrônico por si só poderá ser suficiente, se houver comprovação de que o fiduciante tenha de fato tomado ciência, como por exemplo, se ele responder ao e-mail confirmando o recebimento, ou praticado qualquer ato judicial ou extrajudicial que leve a presunção de que teve ciência da intimação.

Assim, torna-se imperioso concluir que é dever do credor fiduciário realizar a intimação do devedor, por correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico, acerca do dia, hora e local de realização do leilão do imóvel, sob pena de ser decretada a nulidade do mesmo.

*Guilherme Cézar Vieira, inscrito na OAB/GO sob o nº 40.117, é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Pós-Graduado pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo em Direito Empresarial Lato sensu. Atualmente, é advogado atuante pelo escritório João Domingos Advogados Associados

[1]

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

  • 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

[2] Art. 39 – Lei 9.514/97. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.

[3]Art. 36 Parágrafo único – Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966. Considera-se não escrita a cláusula contratual que sob qualquer pretexto preveja condições que subtraiam ao devedor o conhecimento dos públicos leilões de imóvel hipotecado, ou que autorizem sua promoção e realização sem publicidade pelo menos igual à usualmente adotada pelos leiloeiros públicos em sua atividade corrente.

[4] Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

  • 2º-A. Para os fins do disposto nos §§ 1° e 2° deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.