Nova Lei agrega política contra o assédio às atribuições da Cipa, amplia proteção às mulheres e dá 180 dias para as empresas se adequarem

Jenne Silva*

A Lei 14.457/22, em vigor desde setembro, alterou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e, entre as mudanças, deu uma nova designação à CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, e criou o Programa Mais Mulheres, que amplia as medidas para sua inserção e manutenção no mercado de trabalho. As empresas têm o prazo de até 180 dias, a partir da promulgação da lei, para se adequar às novas regras.

Os empresários precisam estar atentos à necessidade de as empresas, mesmo aquelas que já contam com uma área de compliance atuante, identificar quais medidas precisam ser modificadas, aperfeiçoadas e implementadas para garantir a conformidade com a nova legislação.

A nova lei exige a inclusão de um código de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação entre os funcionários e a criação de um canal para recebimento, acompanhamento e apuração de denúncias, que garanta anonimato ao denunciante. Prevê, ainda, a realização de, no mínimo a cada doze meses, ações para capacitação, orientação e sensibilização de empregados de todos os níveis hierárquicos sobre temas relacionados à violência, assédio sexual e moral, igualdade e diversidade no ambiente laboral, ferramentas imprescindíveis para a CIPA exercer as novas funções.

Nas relações práticas de trabalho no dia a dia, o julgamento do que constitui ou não assédio está sujeito a entrar em áreas cinzentas. Algumas dúvidas da parte de empresários e funcionários com as quais me deparei: “O chefe que passa por um funcionário sem cumprimentá-lo está cometendo assédio?” “Constitui assédio moral mandar, em um tom de voz mais elevado, um funcionário executar uma determinada tarefa?” ou mesmo “O funcionário que ficou sem tomar café da manhã porque a van da firma que faz o transporte quebrou passou por assédio?”

Como se tratam de relações humanas, onde nem todas as situações são previstas em lei, é inevitável que a nova legislação esbarre em situações subjetivas. O bom senso é um critério indispensável não apenas à CIPA, mas a todos trabalhadores da empresa, para analisar as situações, até para não entupir o canal oficial com denúncias vazias. No caso de um chefe que passa apressadamente por um funcionário sem cumprimentá-lo com um “bom dia”, não se pode confundir falta de educação com assédio.

Por isso, até para evitar eventuais “ruídos”, mais do que adotar discursos “pro forma”, é importante que o combate ao assédio sexual e moral esteja organicamente integrado à cultura da empresa, onde seja estimulado o compartilhamento e troca real de conhecimento, por meio de programas periódicos de capacitação e treinamento que envolvam exemplos de práticas que devem ser evitadas. Esses instrumentos podem dirimir conflitos gerados pelo “choque de gerações” entre funcionários que entraram na empresa em épocas diversas, com visões, culturas e práticas distintas.

Ferramentas estratégicas podem servir de referência na postura dos colaboradores, tais como, Manual de Conduta e Código de Ética, diferenciando o que é assédio sexual e moral, ao mesmo tempo que buscam premissas que direcionam para um ambiente sadio de trabalho.

A avaliação dos riscos diante do contexto regulatório é uma prática que deve ser feita de maneira periódica para garantir a conformidade da cultura organizacional da empresa diante do cenário mercadológico, considerando o modelo de negócios de cada instituição, justificado diante do momento dinâmico de amplas mudanças que a sociedade vivencia.

No caso do assédio sexual, vale ressaltar que o recebimento de denúncia pela CIPA e/ou pela área de compliance por meio do canal interno da empresa não substitui o procedimento penal correspondente, caso a conduta denunciada pela vítima se encaixe na tipificação de assédio sexual contida no artigo 216-A do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, ou em outros crimes de violência previstos na legislação brasileira. Da mesma forma, nas demais formas de assédio, a nova lei não substitui ou invalida as demais normativas, Código Civil, Penal, CLT, podendo o agressor sofrer eventual processo administrativo disciplinar e/ou judicial.

Desta maneira, ficam claras as vantagens de uma empresa possuir um programa de compliance efetivo, composto por políticas, procedimentos e controles internos, bem como uma equipe capacitada, incluindo os membros da CIPA, fundamentais para o suporte, diante das profundas mudanças que vem sendo experimentadas na rotina corporativa.

Programa Emprega + Mulheres

Outra novidade trazida pela Lei 14.457/22 é o Programa Emprega + Mulheres, que institui algumas providências objetivando o apoio à parentabilidade na primeira infância, com a flexibilização do regime de trabalho, o retorno ao trabalho após o término da licença-maternidade, com o reconhecimento de boas práticas da parte das empresas na promoção da empregabilidade das funcionárias.

Nesse sentido, a nova legislação traz mudanças que impactam na rotina empresarial, tais com a flexibilidade no agendamento de férias, horários de entrada e saída da empresa e também o teletrabalho. No caso do Programa Emprega + Mulheres, as empresas também têm o prazo de 180 dias para se adequar às novas normas.

*Jenne Silva é advogada especialista em Direito Digital com Especialização em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper/SP e Pós Graduação em Direito Digital pela Escola Brasileira de Direito, EBRADI. Possui larga experiência em relações institucionais ligados a setores regulados como Telecomunicações, Energia, Infraestrutura, Óleo e Gás. Acompanhamento técnico de Processos Licitatórios e de Contratos Administrativos. Mais de 10 anos de atuação no setor de Telecomunicações, nos segmentos fixo e móvel de prestadoras de grande porte. Experiência na Gestão de Projetos de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Governança Corporativa, Compliance e Integridade. É sócia do VRMA Advogados.