Noções gerais da responsabilidade civil pela perda de uma chance

*João Ricardo S. Junqueira

Para compreendermos melhor a responsabilidade civil pela perda de uma chance, teoria surgida em 1965, é necessário voltarmos no tempo para analisarmos a própria evolução do instituto da responsabilidade civil.

Conhecer mais afundo a responsabilidade civil pela perda de uma chance é importante devido ao aumento considerável de casos em que, apesar de presentes os elementos da culpa e do dano, mostra-se inexequível a comprovação da ligação entre ambos.

O termo “responsabilidade” nos remete à obrigação de restituir ou ressarcir um bem material ou moral violado. Essa restituição ou ressarcimento à um bem lesado, visa restabelecer o equilíbrio em uma relação onde tenha havido o dano. É a imposição legal ao causador perante à vítima.

A evolução do Direito, e consequentemente da responsabilidade civil, acompanhou o desenvolvimento da sociedade, atendendo às demandas que se modificavam com o passar o tempo.

Nos primórdios da civilização, quando os homens começaram a se juntar e formar os primeiros agrupamentos, ocorrendo uma lesão à um desses indivíduos, a punição ao ofensor se dava através do instituto da vingança coletiva, ou seja, todos os indivíduos se reuniam para castigar o causador da lesão.

Com o passar do tempo essa vingança passou a ser individual, chamada de vingança privada, onde o ofendido reagia contra o ofensor. Importante ressaltar que nessa época nem se cogitava averiguar a existência de culpa, baseando-se principalmente na Lei de Talião – olho por olho, dente por dente.

Entretanto, todas essas punições não resolviam o principal problema do ofendido, que era o ressarcimento econômico do dano causado pelo ofensor. Com isso, passou-se a buscar essa compensação econômica em detrimento à pena de Talião. Um ofensor vivo e saudável poderia recompor o dano causado muito mais do que um ofensor mutilado ou mesmo morto. Ainda assim, esse tipo de pena perdurou por um bom tempo, amparada pela Lei das XII Tábuas, instituída no ano 452 a.C.

A primeira noção de indenização por danos causados também é dessa época, onde havia a possibilidade de uma composição tarifada, que nada mais era do que um valor pecuniário fixo para cada tipo de lesão sofrida, e que deveria ser pago pelo causador do dano à vítima.

No Século III a.C., em Roma, o Tribuno da Plebe Lúcio Aquílio aprovou uma lei penal que ficou conhecida como Lex Aquilia de Damno, que previa castigos há quem causasse danos à terceiros, e que deu origem à responsabilidade aquiliana no direito moderno.

Surge então os três elementos que fundamentam a responsabilidade civil: a) a damnum que é a lesão à coisa; b) a iniuria que é o ato contrário ao direito; e c) a culpa, quando o ato, praticado por culpa ou dolo, era resultado de uma ação positiva do agente.

Mas foi através do Código Napoleônico que se chegou ao princípio geral da responsabilidade civil, onde a culpa seria o cerne para a responsabilização penal ou civil do infrator. É preciso destacar aqui a grande influência francesa na legislação civil brasileira, que pode ser observada até hoje com a manutenção do princípio da responsabilidade com base na culpa presente nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002.

Entretanto, com o passar do tempo e com as mais diversas demandas surgindo, chegou-se à conclusão de que a culpa se tornou um elemento de difícil comprovação, fazendo surgir uma nova espécie de responsabilidade, onde a constatação da culpa se torna desnecessária para a culpabilidade do agente. Nasce a responsabilidade objetiva.

Ainda assim, haviam alguns casos em que era impossível a reparação do dano, o que demandou o surgimento da chamada responsabilidade pela perda de uma chance, onde mesmo que não haja nexo de causalidade entre o ato do agente e o dano da vítima, existe a possibilidade do ressarcimento do prejuízo.

Inicialmente chamada de chance de uma cura, foi instituída pela jurisprudência da França, cingindo seu alcance à casos de responsabilidade médica, sendo tal conceito utilizado pela primeira vez no julgamento de um médico, pela Corte de Cassação Francesa em 1965, acusado de diagnosticar erroneamente o seu paciente, tirando-lhe a chance de cura da doença de que sofria. Tal decisão serviu de estopim para diversas outras no mesmo sentido, pacificando a responsabilidade pela perda de uma chance no sistema legal francês.

Com a constitucionalização do direito civil e a publicização do direito privado, tal teoria mostrou-se de grande importância no Brasil, tendo seus reflexos nos benefícios às vítimas vulneráveis.

A teoria da responsabilidade pela perda de uma chance admite a viabilidade de uma indenização nas situações em que a pessoa se vê privada de uma chance real de obter lucro ou de evitar prejuízo. Observamos que nesse caso, a reparação do dano se daria pela perda de uma chance real, e não pelo próprio dano em si, isso porque o prejuízo experimentado pela vítima se dá pela expectativa que ela tinha em obter algum benefício ou evitar algum prejuízo.

Importante ressaltar que a chance perdida deve ser fundamentada em algo que realmente iria ocorrer, pois mesmo que essa certeza não seja absoluta, tal possibilidade não poderá ser baseada em dados hipotéticos. Essa situação, portanto, deverá ser analisada pelo Juiz no caso concreto.

Mesmo amplamente difundida no direito francês e italiano, ainda há uma ausência de regulamentação jurídica, causando enormes discussões no Poder Legislativo desses países.

No Brasil também não existe uma regulamentação clara acerca desse tipo de responsabilidade civil, ficando a cargo da jurisprudência balizar os limites da sua aplicação. Assim como no direito francês e italiano, no Brasil é fundamental o fator denominado “chance concreta” a ser demonstrado pela vítima, para que seja reconhecido o direito à indenização. Além disso, deverá estar presente o nexo de causalidade entre a conduta culposa do agente e a chance real perdida pela vítima.

Mas quais são os casos concretos em que se aplicam a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance? A resposta está nas atividades dos profissionais liberais, principalmente os médicos e advogados.

Esses profissionais atuam com a denominada “obrigação de meio”, ou seja, obrigam-se a empregar todos os meios necessários e existentes para buscar o melhor resultado possível sem, entretanto, poder garantir o resultado final.

Entretanto, determinadas condutas apresentadas por esses profissionais podem acarretar prejuízos, tais como perda de prazos ou desconhecimento de leis no caso dos advogados e a comprovação de negligência, imprudência ou imperícia na conduta dos médicos. Tais situações podem retirar da vítima a possibilidade de obtenção de um resultado positivo ou de se evitar uma perda.

No meu ver, o gargalo dessa teoria seria a fixação do valor da indenização pela chance frustrada, que deverá ser determinada pelo Juiz, observando-se a situação da vítima, a chance perdida valorada e por fim o montante indenizatório correspondente ao caso concreto que teria sido alcançado se a chance não houvesse sido perdida. Avalia-se que nesse caso, tal posicionamento respeita o previsto no artigo 944 do Código Civil/2002.

Assim como na Europa, a falta de disposição do Poder Legislativo brasileiro, leva para a jurisprudência o papel de definir a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Apesar de ainda pouco difundido, esse instituto, cujas principais teses jurisprudenciais são advindas dos tribunais do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já encontra guarida em decisões dos tribunais de São Paulo e Paraná.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, apesar de ainda não aplicar sistematicamente a teoria da perda de uma chance, já se viu obrigado a julgar o tema, no caso que veio a se tornar o mais famoso do país sobre o assunto, pois envolvia a rede de televisão SBT. Na demanda de 2005, um participante do programa “Show do Milhão” alegou que teve sua chance de acertar a resposta correta reduzida, pois dentre as opções apresentadas, todas estavam incorretas. Nesse caso o STJ reconheceu a perda de uma chance do participante, mas definiu a indenização em apenas 25% do que o autor poderia ter ganhado (1 milhão de reais), pois esse seria o percentual da sua chance no momento da resposta (4 opções de resposta).

Por fim, importante observarmos que a teoria da perda de uma chance representa o momento atual da responsabilidade civil, que evolui através dos tempos influenciada pela sociedade e buscando soluções para situações por ela criadas. Diante de tantos aspectos que devem ser observados para aplicação desse instituto, mister se faz o constante estudo do assunto e a análise da jurisprudência para chegarmos à um cenário onde os danos causados sejam devidamente reparados e a justiça seja feita na melhor acepção da palavra.

*João Ricardo S. Junqueira, é advogado especialista em Direito Empresarial, Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil e Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO.