Nem revanche, nem esquecimento: anistia com moderação no Estado Democrático de Direito

Kowalsky Ribeiro*

A história política mundial é marcada por uma constante busca pelo modelo ideal de governança que promova o desenvolvimento humano, a liberdade econômica e a transparência governamental. Ao analisarmos os dados globais, observamos que os países que alcançam os melhores índices nesses aspectos tendem a adotar posturas políticas moderadas, evitando os extremos ideológicos.

Os regimes de extrema esquerda, como o comunismo centralizador, e de extrema direita, como o fascismo, historicamente resultaram em repressão política, violações de direitos humanos e colapsos econômicos. Por outro lado, nações que se posicionam no centro do espectro político, seja à esquerda ou à direita, demonstram maior capacidade de implementar políticas públicas eficazes e sustentáveis.

Por exemplo, países escandinavos como Suécia, Noruega e Dinamarca, com políticas de centro-esquerda, apresentam altos índices de desenvolvimento humano e transparência, combinando economia de mercado com robustos sistemas de bem-estar social. Da mesma forma, nações como Alemanha e Canadá, com políticas de centro-direita, alcançam elevados níveis de liberdade econômica e desenvolvimento, mantendo fortes instituições democráticas.

Esses modelos demonstram que a eficácia das políticas públicas está menos relacionada à posição ideológica e mais à capacidade de promover o diálogo, respeitar as instituições e focar em resultados concretos para a população. A moderação política, portanto, surge como um caminho promissor para o desenvolvimento sustentável e a estabilidade social.

É nesse ponto que a Constituição Federal de 1988 se revela uma das mais importantes conquistas democráticas da história do Brasil. Forjada no pós-ditadura, ela consolidou os pilares do Estado Democrático de Direito, assegurando os direitos fundamentais, a pluralidade partidária e a independência entre os Poderes. Seu desenho institucional permite que diferentes visões políticas convivam e se alternem no poder, desde que submetidas ao crivo do voto e aos limites da legalidade e da ética pública.

Por isso, o retorno recente do discurso político brasileiro a uma lógica maniqueísta – ou seja, reduzido a ‘direita contra esquerda’, ‘conservador contra progressista’ – representa um risco grave à construção de políticas públicas eficazes. O ciclo eleitoral de 2022 expôs essa polarização, e já se percebe a ameaça de uma repetição em 2026. A experiência democrática brasileira ensina que governar não é travar guerras ideológicas, mas construir consensos práticos. A Constituição não demanda salvadores, mas servidores. Não clama por heróis, mas por republicanos.

As experiências históricas das ideologias radicais deixam um rastro comum: a negação do pluralismo e o culto à uniformidade. À esquerda, os regimes comunistas frequentemente degeneraram em burocracias opressoras, onde o partido único suprimia qualquer divergência em nome de uma utopia igualitária inatingível. A eliminação da propriedade privada, da liberdade de imprensa e da livre iniciativa resultou em economias atrofiadas e sociedades amordaçadas, como nos casos da União Soviética, Camboja e Coreia do Norte.

Na outra ponta, os modelos fascistas impuseram uma lógica de força, culto à figura do líder e perseguição sistemática a minorias e opositores. A promessa de ordem absoluta se fez ao custo da dignidade humana e da devastação moral. Ainda hoje, tentativas de ressuscitar discursos autoritários sob o pretexto de nacionalismo ou “limpeza institucional” representam um alerta para qualquer democracia. Em ambas as extremidades, a ideologia deixa de ser instrumento de análise e vira projeto de submissão — o oposto do que a política deve representar em um Estado democrático de direito.

O episódio do dia 8 de janeiro de 2023, quando extremistas atacaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, expôs o perigo concreto da radicalização política e da recusa sistemática do jogo democrático. Foi um atentado contra a institucionalidade e contra o próprio pacto constitucional de 1988. Contudo, a resposta institucional deve estar à altura da Constituição: firme, sim, mas também serena e proporcional.

Nesse cenário, o Poder Judiciário deve manter a prudência como bússola, distinguindo os líderes e financiadores da tentativa de ruptura democrática daqueles que, por ilusão ou manipulação, foram tragados por discursos inflamados. A anistia não deve ser um salvo-conduto ao autoritarismo, mas tampouco pode ser descartada como ferramenta de pacificação — desde que aplicada com critério, transparência e absoluto respeito à memória democrática do país.

*Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro é advogado, especialista em Direito Legislativo e ex-procurador Geral da Câmara Municipal de Goiânia.