Necessidade de Perícia Contábil em ações envolvendo o Sistema Financeiro da Habitação

advogado João LucasO Tribunal Regional Federal da 1ª Região vem se manifestando no sentido de que a prova pericial em ações nas quais se discutem contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH) torna-se imprescindível ao julgamento de mérito, razão pela qual tem anulado algumas sentenças que julgaram o mérito sem a realização de perícia contábil.

SFH. CONTRATO FIRMADO COM COBERTURA DO FCVS. QUITAÇÃO COM BASE NA LEI 10.150/2000. PEDIDO DE REVISÃO DO CONTRATO NÃO APRECIADO PELA SENTENÇA. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL POR CATEGORIA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA E DE APRECIAÇÃO DAS VANTAGENS PESSOAIS. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EX OFFICIO. 1. A sentença reconheceu o direito de mutuário à obtenção de quitação de mais de um imóvel financiado segundo as regras do Sistema Financeiro da Habitação, ao entendimento de que a vedação imposta pela Lei nº 8.100/90 não seria aplicável aos contratos assinados antes de sua edição, no entanto, não apreciou os pedidos de revisão do contrato, a exemplo pedido de reajuste das prestações mensais conforme o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional. 2. É uníssona nesta Corte Regional que para a verificação da regularidade dos reajustes das prestações com base no Plano de Equivalência Salarial mister se faz a realização de perícia contábil. Nesta hipótese, a jurisprudência desta Corte, por considerar necessária a realização da prova pericial em causas semelhantes, tem anulado a sentença a fim de que outra seja proferida. 3. Ainda, o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as vantagens pessoais incorporadas definitivamente à remuneração do mutuário devem ser incluídas no cálculo do reajuste dos encargos mensais, e não somente o aumento concedido à categoria. (REsp nº 387.628/RS, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ de 19/05/2003, REsp nº 565.993/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ de 25/10/2004; REsp nº 805.584/PR, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJ de 25/08/2006) 4. Na hipótese, não se aplica o art. 515, § 3º, do CPC, uma vez que o conhecimento de tal matéria – pedido revisional – torna imprescindível a realização de prova pericial, com análise dos contra-cheques do mutuário. 5. Sentença anulada de ofício para determinar o retorno dos autos à origem para que outra seja proferida com base em laudo pericial, considerado as vantagens pessoais da parte autora. 6. Apelações da CEF e do ABN AMRO REAL S/A e recurso adesivo da parte autora prejudicados. (TRF-1 – AC: 42072 MG 2001.38.00.042072-8, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 17/11/2008, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 10/12/2008 e-DJF1 p.323) (grifo nosso)

Consoante art. 130 do Código de Processo Civil, o juiz pode, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a realização de perícia contábil, de modo a apurar as teses discutidas, tais quais: cobrança de prestações maiores que as devidas, abusividade da taxa de juros, capitalização composta dos juros (anatocismo), cobrança indevida de encargos, aplicação do plano de equivalência salarial, etc.

Determinada a perícia e nomeado o perito, o juiz intima as partes para, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentarem quesitos a serem respondidos pelo Perito do Juízo e indicarem os respectivos peritos Assistentes Técnicos. Intima-se ainda o pólo escolhido para depositar, em conta judicial, os honorários periciais ora fixados, conforme art. 33 do CPC, in verbis:

Art. 33. Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.

Parágrafo único. O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente a essa remuneração. O numerário, recolhido em depósito bancário à ordem do juízo e com correção monetária, será entregue ao perito após a apresentação do laudo, facultada a sua liberação parcial, quando necessária.

Segundo art. 433 do CPC, o perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento, sendo que os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo.

A necessidade de perícia contábil em ações envolvendo contratos habitacionais do SFH justifica-se pela complexidade do tema, em razão dos inúmeros normativos emanados desde a criação de tal sistema em 1964, que acompanharam mudanças de planos econômicos, inflações, alterações das regras oficiais, diversidade de planos de reajustamento das prestações (A, B, C, PES, PCM, PES/CP e PES/PCR) e sistemas de amortização (Tabela Price, SAC, SACRE, etc), correção monetária, juros simples ou compostos, taxa nominal ou efetiva, amortização negativa, anatocismo (juros sobre juros não pagos), Coeficiente de Equiparação Salarial (CES), Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), entre outros.

Destarte, tanto o Perito do Juízo quanto os Assistentes Técnicos contratados pelas partes devem dominar a matéria, com vistas a identificar as peculiaridades supracitadas e, através da aplicação de planilhas eletrônicas, cálculos matemático-financeiros, editor de texto e demais ferramentas, fornecer subsídios eficazes à tomada de decisão com base na prova pericial produzida.

*João Lucas Oliveira Protásio é perito contábil – jl@jlpericias.com e www.jlpericias.com