Maioridade penal: regra matemática para uma questão individual

Leonardo Watermann*

Um tema de grande impacto na segurança pública e com fortes reflexos para o sistema carcerário já deletério do país, infelizmente ganhou repercussão nos últimos dias em razão de uma barbárie.

Me refiro ao assassinato da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, morta a facadas por um de seus alunos, então adolescente com 13 anos de idade. Após o crime – que pela idade do adolescente deve ser chamado de ato infracional -, o agressor foi apreendido e levado à Fundação Casa – antiga FEBEM. De imediato, alguns deputados e senadores começaram a se manifestar. Afinal, o que é melhor do que uma tragédia para que políticos possam se promover, não é?

Os parlamentares discutem a viabilidade de dar seguimento à já batida e antiquada ideia de reduzir a maioridade penal por meio de emenda à Constituição (PEC), alterando assim o Código Penal para que adolescentes a partir de 16 anos sejam punidos em caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

Mas notem que o menor de 13 anos continuaria com os mesmos privilégios de hoje, ou seja, daqui 3 anos estará nas ruas, sem qualquer mácula criminal em sua ficha. Por isso, penso que está na hora de trazer à tona uma discussão sob outro ponto de vista, sem perder o foco no clamor da sociedade por segurança e combate a criminalidade. Explico o porquê.

A maioridade penal no Brasil, da forma como é hoje, é uma regra matemática para uma questão que não é matemática. Um jovem com 17 anos, 11 meses e 30 dias de idade pratica um crime de homicídio e é julgado como menor, com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Já esse mesmo menor, se praticasse o crime 2 dias depois, seria um criminoso homicida.

Agora eu pergunto: essas 48 horas fazem alguma diferença na potencial consciência da ilicitude do ato praticado por esse menor? Ele realmente evoluiu significativamente em 2 dias ao ponto de ser punido de forma tão distinta? Claro que não! Por isso não adianta diminuir de 18 para 16 anos.

Continuar tratando uma questão técnica e individual como matemática será incapaz de satisfazer os anseios da sociedade, pois a regra de “cálculo” para aplicação das punições distintas, que hoje é frágil justamente por não considerar o ato praticado, continuará tão inútil como está.

Análises sobre a crueldade, motivo e tipo de crime já passaram da hora de fazer parte de ataques como o que ocorreu na escola em São Paulo. Talvez isso não fosse tão importante em 1990, quando o ECA foi criado. Mas 33 anos depois, as “crianças e adolescentes” com certeza não são as mesmas.

Estamos falando de um período em que não existiam os computadores caseiros e smartphones, como hoje em dia. Não existia o Google, o Waze, a internet por fibra-ótica, o Bitcoin, o sistema de Streaming, o WhatsApp, o Instagram, o TikTok e quem dirá o YouTube. Agora, em 2023, ainda estamos nos deparando com o ChatGPT, que é o início da era da inteligência artificial residencial, disponível de forma simples para qualquer pessoa. Mas o ECA permanece o mesmo, considerando menor de 16 anos um alienado às evoluções do mundo.

E isso não para por aí, pois para aqueles que vão julgar de maneira simplista estas reflexões, vale ressaltar que de nada vai adiantar simplesmente aprovar a redução, sem antes analisar os reflexos imediatos que essa medida pode trazer ao sistema carcerário, já entupido. Como diz o ditado: “não adianta só puxar quando o cobertor é curto”, ou nosso sistema carcerário e nossas regras de execução penal estão adequados para receber e ressocializar essa nova demanda de pessoas que os legisladores estão tentando criar?

Mas esse é um tema para um próximo artigo.

*Leonardo Watermann é advogado e sócio fundador do escritório Watermann Sociedade de Advogados.