Sara Carneiro*
A Constituição Federal elegeu a licitação como regra para a contratação de obras, serviços e bens pela Administração Pública. É dizer: todas as políticas públicas e serviços prestados à população passam pela realização de uma licitação.
Dada a inquestionável importância das licitações para o cumprimento das obrigações constitucionais do Estado, é essencial garantir que o mercado privado tenha interesse em participar das disputas públicas. Para isso, o constituinte cercou o procedimento licitatório de garantias que protegem o licitante ao longo de todo o macroprocesso de contratação.
Entre essas garantias, destaca-se o julgamento objetivo, livre de preferências pessoais, favoritismos ou perseguições políticas. Garante-se também a vinculação ao instrumento convocatório, conferindo às regras do edital a força de lei entre as partes. E, já na fase de execução do contrato, o constituinte assegura ao licitante vencedor, futuro contratado, a possibilidade de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da proposta sempre que houver modificações que impactem suas condições iniciais.
Uma das formas de garantir esse equilíbrio é o chamado reajustamento em sentido estrito. Trata-se da atualização contratual periódica por meio da aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve refletir a variação efetiva dos custos de produção — especialmente em razão da inflação.
Para isso, admite-se a adoção de índices setoriais ou específicos, e até mesmo a combinação de mais de um índice, de modo a refletir com maior precisão a realidade de mercado dos insumos envolvidos no objeto do contrato. O índice que regerá o reajuste deve ser escolhido com base no objeto da contratação e no comportamento do setor, visando proteger a efetividade da proposta apresentada pelo licitante vencedor.
Caso o índice indicado no edital não reflita adequadamente as variações de mercado, o licitante pode (e deve) impugnar o edital ou apresentar pedido de esclarecimento, buscando garantir um critério justo e aderente à realidade do setor.
Outro ponto relevante diz respeito à data-base do reajuste, que é a data do orçamento estimado pela Administração, e não a data de assinatura do contrato — previsão legal expressa e com interpretação consolidada no âmbito do TCU e da doutrina especializada.
É imprescindível também que o edital e a minuta contratual prevejam expressamente o reajuste, independentemente do prazo de vigência contratual. A ausência dessa cláusula é ilegal e deve ser objeto de impugnação pelo licitante.
A Lei nº 14.133/2021 é clara ao exigir, em todo contrato, cláusulas que estabeleçam:
– o preço e as condições de pagamento;
– os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento;
– e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento.
Todas essas previsões têm como objetivo proteger o licitante e tornar mais atrativa, para o mercado, a participação em licitações públicas.
Vale destacar que o reajuste em sentido estrito não exige termo aditivo, pois não representa uma alteração do contrato. Pode ser formalizado por simples apostila, desde que o índice esteja previsto no contrato original. Por isso, contar com uma assessoria jurídica especializada é essencial, tanto para a análise do edital quanto para a gestão de contratos em execução.
*Sarah Carolina Viana de Macêdo Carneiro. Mestre em Direito. Especialista em Direito Público. Especialista em Licitações e Contratos Administrativos. Advogada Pública. Coautora do Livro “Nova Lei de Licitações e Contratos: teoria e prática na assessoria jurídica”, Editora Del Rey, 2023. Autora de livros e artigos e palestrante na área de Licitações e Contratos. Cofundadora do projeto Vantagem Lícita. Coordenadora do Núcleo de Licitações e Contratos do escritório Merola & Ribas Advogados.