João Ricão e Maria Trabalhadora

José Carlos da Silva

João Ricão é gente boa. Um cara honesto e simpático, que preza um bom relacionamento entre as pessoas. Ele nasceu em uma família com boa situação financeira e com seu esforço e estudos buscou, sempre de forma lícita, ampliar os seus bens. Atualmente é uma pessoa rica, tendo concentrado os seus investimentos em ações de empresas que distribuem bons dividendos. No último ano, João Ricão recebeu alguns milhões de reais a essa conta. Claro que, pela legislação brasileira, ele não deve Imposto de Renda sobre esses milhões auferidos. Poderiam argumentar que os valores já teriam sido tributados nas empresas de origem, mas é falacioso, no mínimo, comparar a tributação das empresas à das pessoas físicas.

Maria Trabalhadora é mãe solteira. Seu orgulho é o filho adolescente que está por terminar o segundo grau. Quer entrar para uma Faculdade de Direito, ser um advogado ou, quem sabe, juiz. Maria Trabalhadora “trabalha” na residência de João Ricão, como auxiliar de serviços gerais. Sempre foi bem tratada e seus vencimentos passaram por um recente aumento. Por conta disso, passou a acontecer um pequeno desconto nos vencimentos, no e-social, a título de Imposto de Renda Retido na Fonte. Poderiam argumentar que, no ajuste anual, Maria Trabalhadora poderá recuperar esses valores e que eles são de pequena monta, mas é falacioso, no mínimo, admitir que uma não correção da tabela do Imposto de Renda, por anos e anos seguidos, tenha levado a essa condição de ampliação da carga tributária para os assalariados de menor renda.

Alguns tempo atrás, o Secretário da Receita Federal foi a uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Lá ele demonstrou, com números, que os 10% de contribuintes mais ricos tiveram 2,4 vezes mais renda que os 50% de contribuintes mais pobres. Ele também explicou que os contribuintes que estão entre os 10% mais ricos foram responsáveis por 30,2% de toda a renda isenta e não tributável declarada em 2016. A principal explicação para essa baixa tributação sobre as faixas de maior renda da população são os rendimentos isentos. Também falou de outros pontos que não torna a situação brasileira elogiável.

Quando o Secretário deixou a comissão do Senado, ninguém esbravejou, nem manifestou indignação com esse estado de coisas. O tema não se transformou em manchetes principais e o povo não saiu às ruas… mas, também, não era dia de carnaval.

*José Carlos da Silva é auditor-fiscal da Receita Federal e presidente da Delegacia Sindical de Goiânia do Sindifisco Nacional