Intimação pessoal como requisito da prescrição intercorrente no processo de execução

Leandro Marmo

A prescrição é um instituto de direito material, podendo ser compreendida como a perda da pretensão ou da exigibilidade da pretensão da parte em juízo.

Diante de uma determinada relação jurídica, é em regra, bem claro o momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional – termo a quo, que é a partir do momento em que ocorre a violação do direito – art. 189 do Código Civil[1]. A questão todavia, enseja novas reflexões, quando analisamos o instituto da prescrição, dentro de um processo de execução já em andamento, que é a denominada prescrição intercorrente, a qual somente pode ocorrer após a realização da citação válida e interrupção da prescrição, tendo com fator essencial a “paralisação injustificada em decorrência da prolongada inércia do exequente”[2].

Quanto a análise do prazo para ocorrência da prescrição intercorrente não há divergência, aplica-se o enunciado de Súmula n° 150 do STF que preceitua “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Se o prazo prescricional for de 3 anos, inobstante iniciada a execução antes do prazo prescricional se, após a citação válida e interrupção da prescrição o processo for abandono por igual período, ocorrerá a prescrição intercorrente.

A problemática que será analisada brevemente nesse texto, decorre do equivocado entendimento consolidado no STJ (surgiu no ano de 1.993 e perdurou até 2015) e em alguns Tribunais Inferiores de que, seria requisito para início da prescrição intercorrente, no processo de execução, a prévia intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao processo – assim como se exige com relação a extinção do processo por abandono por mais de 30 dias, de modo que, ausente tal intimação ainda que constatado o absoluto abandono do processo pela parte exequente não se consumaria a prescrição intercorrente. Ilustrativamente transcrevemos trecho da ementa de um julgado: “A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser necessária a intimação pessoal do credor antes de reconhecer a prescrição intercorrente. (AgRg no AREsp 593.723/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 24/04/2015)”.

Para se extinguir um processo diante de uma inércia de “apenas” 30 dias, é coerente que seja exigido a prévia intimação pessoal da parte, para dar andamento ao processo no prazo de 48 horas sob pena de extinção. Todavia, havendo um abandono processual por 5, 10 ou 15 anos, ilógico sempre se apresentou o entendimento de que seria exigível igualmente o mesmo requisito, qual seja, a prévia intimação pessoal da parte. Até porque, conforme claramente demonstrado, se abandonado o processo, e intimada a parte pessoalmente para andamentá-lo, seguida apenas 48 horas de inércia da intimação já será suficiente para se extingui-lo.

O equívoco central do entendimento até então adotado, decorre do fato de que nem o CPC/73 e nem o CPC/15 tem regras jurídicas que exigem a referida intimação pessoal como pressuposto para se iniciar a prescrição intercorrente. E que tal requisito, fora criado de forma solipsista[3] e equivocada.

Inobstante a ausência de previsão no CPC/73 já existia regra jurídica clara e, em sentido oposto, de que não haveria a necessidade da prévia intimação pessoal para início da prescrição intercorrente. O art. 202 do Código Civil/02, já preceituava em seu parágrafo único que “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

Finalmente, com o advento do CPC/15, o Superior Tribunal de Justiça passou a realizar a devida interpretação das normas jurídicas, a partir do REsp n° 1.522.092-MS de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, o qual entendeu que não há a necessidade de prévia intimação pessoal do exequente para dar andamento ao processo, considerando-se como termo a quo para ocorrência da prescrição intercorrente, o abandono do processo pela parte exequente.

Interessante ressaltar que o CPC/15 não trouxe nenhuma regra jurídica excepcionalmente nova, apenas regulamento a questão concernente a prescrição intercorrente, no processo de execução, quando não localizados bens passíveis de penhora, dispondo que constatada tal situação, o magistrado determinará a suspensão do processo por um ano, e ultrapassado esse prazo, automaticamente – sem a necessidade de intimação pessoal da parte, se iniciará a prescrição intercorrente. Ocorre que tal sistemática, já estava positivada no art. 40, §4°[4] da Lei n° 6.830/80 – Lei de Execuções Fiscais, desde o ano de 2.004 e já estava consolidada também na Súmula 314 do STJ[5].

Por todo o exposto, vê-se que a jurisprudência tardou mas finalmente modificou:A Terceira Turma do STJ modificou seu entendimento para adotar a tese de que a ocorrência da prescrição intercorrente será reconhecida quando o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, sendo prescindível a sua intimação pessoal prévia, bastando que seja respeitado o princípio do contraditório” [6].

*Leandro Marmo é advogado e sócio do escritório João Domingos Advogados Associados

[1] Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

[2] https://www.conjur.com.br/2015-nov-03/paradoxo-corte-stj-traz-orientacao-prescricao-intercorrente-execucao

[3] Lênio Streck

[4] § 4° Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

[5] “Em  execução  fiscal,  não  localizados  bens  penhoráveis,  suspende-se  o  processo  por  um  ano,  findo  o  qual  se  inicia  o  prazo  da  prescrição  quinquenal  intercorrente.”

[6] “A Terceira Turma do STJ modificou seu entendimento para adotar a tese   de   que   a ocorrência da prescrição intercorrente será reconhecida quando o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, sendo prescindível a sua intimação pessoal prévia, bastando que seja respeitado o princípio do contraditório.” (AgInt no REsp 1615303/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 11/05/2017)