Herança digital. O que acontece com as redes sociais?

Byanca de Freitas Barbosa*

No contexto jurídico brasileiro, a ausência de uma legislação específica para regular a herança digital representa um desafio significativo. Os avanços tecnológicos têm impactado a forma como lidamos com os bens digitais de uma pessoa falecida.

Os bens digitais são classificados em três categorias distintas: patrimoniais, existenciais e patrimoniais-existenciais. Os bens patrimoniais possuem uma natureza predominantemente econômica e incluem moedas virtuais, websites, aplicativos, entre outros. Já os bens existenciais têm um valor sentimental e são preservados em redes sociais, como fotografias pessoais e e-mails. Por fim, os bens patrimoniais-existenciais representam uma combinação das duas categorias anteriores, possuindo tanto características econômicas quanto pessoais. Esse fenômeno se manifesta à medida que o conteúdo compartilhado pelo titular no ambiente virtual desperta interesse em outros, transformando-se em fonte de receita, como os perfis em redes sociais que, devido à sua significativa audiência, são monetizados, gerando ganhos financeiros para seus criadores.

Em 2022, durante a 9ª Jornada de Direito Civil, o Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado 687, reconhecendo que o patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido. Isso sinaliza uma mudança significativa na percepção jurídica dos ativos digitais e destaca a importância de uma abordagem mais abrangente para lidar com a herança digital.

Cada plataforma tem sua própria abordagem para lidar com o legado digital de um usuário após sua morte. Por exemplo, o Facebook oferece a opção de transformar um perfil em uma “página de homenagem”, enquanto o Google introduziu a funcionalidade “Conta Inativa”. No entanto, esses são apenas alguns exemplos entre muitas políticas diferentes adotadas pelas diversas plataformas disponíveis, destacando a falta de padronização e a complexidade do assunto.

A recente decisão da 3ª câmara de Direito Privado do TJ/SP[1], que autorizou uma mãe a acessar os dados digitais do celular de sua filha falecida, marca um avanço importante nesse cenário. Ao reconhecer que o patrimônio digital pode fazer parte do espólio e ser transmitido como parte da sucessão, essa decisão sinaliza uma mudança na percepção jurídica dos ativos digitais.

Além disso, o uso do testamento e do codicilo como instrumentos legais para lidar com a herança digital tem se mostrado uma solução viável. Esses documentos permitem que o indivíduo manifeste sua vontade quanto à destinação de seus bens digitais após a morte, proporcionando uma base jurídica sólida para sua execução.

Uma abordagem interessante que tem sido adotada é a nomeação de dois inventariantes nos inventários: um para administrar os bens tradicionais e outro para lidar especificamente com os bens digitais. Essa divisão de responsabilidades reconhece a natureza única dos ativos digitais e a necessidade de tratamento diferenciado.

Enquanto aguardamos uma legislação mais específica sobre o assunto, a abertura de testamentos ou codicilos continua sendo a melhor opção para garantir a proteção e a destinação adequada dos bens digitais após a morte.

Este desafio vai além do âmbito legal, representando um imperativo ético e cultural. É essencial garantir que a memória, os direitos e os desejos dos indivíduos sejam respeitados e preservados no vasto ciberespaço. 

*Byanca de Freitas Barbosa é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões e integrante da Goulart Advocacia. @byancabarbosaa

Referência

[1] Processo: 1017379-58.2022.8.26.0068