“ENEM” de candidatos a juiz chega cercado de polêmicas

Arnaldo Bruno Oliveira*

A vida de quem quer ser juiz no Brasil não é simples e acaba de ganhar mais um obstáculo. Em 2023, o universo dos concursos de magistratura no país sofreu um grande impacto com a notícia do surgimento do ENAM – Exame Nacional da Magistratura, que se trata de um exame prévio, com a exigência de 70% de acertos, para que os candidatos possam adquirir o direito de participar dos processos para que possam seguir carreira nessa área.

A ideia da aplicação do exame surgiu dentro dos debates travados no CNJ – Conselho Nacional de Justiça, sobre a busca por um perfil de magistrados mais vocacionados para a carreira. Neste cenário, a missão de cuidar academicamente deste desafio coube à ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado, que assumiu o papel de cumprir os propósitos apresentados nas resoluções que tratam das diretrizes de aplicação da prova, como por exemplo a Resolução nº 531 do CNJ, de 14 de novembro de 2023, que alterou a resolução nº 75/2009 e que passou a regular os concursos de magistratura no país.

O principal objetivo do ENAM é cumprir o propósito de uniformização, democratização do acesso à carreira de magistrados e claro, de valorização da vocação para o exercício do cargo. Portanto, o exame busca estabelecer um perfil para a magistratura brasileira, já estabelecendo os passos que serão seguidos durante a trajetória do candidato.

Em uma sociedade que está em constante transformação, espera-se que os candidatos demonstrem não apenas um profundo conhecimento jurídico, mas, também a capacidade de aplicar a lei de maneira justa e equitativa em um contexto cada vez mais dinâmico, diverso e plural.

O Ministro Luís Roberto Barroso (presidente do STF), declarou que o Exame Nacional da Magistratura é como um “teste prévio de habilitação, que será aplicado sem retirar a competência dos tribunais de realizarem seus próprios exames”.

Em outras palavras, uma prova centralizada que habilitará os candidatos com percentual de acerto de 70%, para ampla concorrência. No caso de candidatos cotistas, pessoas negras e indígenas, o percentual de acertos deve ser de 50% e os aprovados serão credenciados a prestarem os próximos concursos para tribunais específicos, que estão suspensos até a aplicação da prova em abril deste ano.

A preparação desses candidatos é fundamental para o sucesso na realização da prova e enxergo claramente, que alguns pontos merecem destaque neste cenário.

O Exame Nacional da Magistratura foi uma iniciativa justificada por boas intenções, mas que na prática, pecou com a criação de uma prova extra em um universo que já era constituído por diversas fases até a aprovação.

Em síntese, existia um verdadeiro teste de compromisso com a obtenção do cargo nos concursos realizados e regidos pela resolução padrão do CNJ.

O formato de provas, antes do ENAM, contava com a necessidade de aprovação em prova objetiva, discursiva, práticas de sentenças, exames médicos, investigação social, prova oral e de títulos; além de, após finalizado esse circuito com êxito, o que é uma tarefa alcançada por grupo restrito de pessoas, que geralmente se qualificam por anos.

Em termos práticos, com o ENAM, os interessados têm mais uma fase a superar. Se a intenção era buscar perfis de pessoas mais vocacionadas, realizar mais uma prova objetiva, “prévia” a esta jornada, não me parece um caminho resolutivo.

A situação poderia ser definida de maneiras mais eficientes e com menos gastos públicos, já dentro do formato existente.

Outro ponto de polêmica que mereceu críticas da comunidade acadêmica e dos candidatos interessados no ENAM, foi a não inclusão de pessoas com deficiência dentro da condição de cotistas. Uma situação excêntrica ao universo de provas de concursos públicos de uma forma geral.

Este é um caso ainda mais emblemático de incongruência apresentada pelo edital do ENAM, uma vez que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é contemplado dentro do conteúdo programático, mas, o respeito devido e a própria busca de diretrizes de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência nos órgãos do Poder Judiciário não foram observados.

A prova do ENAM está marcada para o dia 14/04 e será aplicada em todas as capitais do país. Estão previstas oito matérias para o exame, com a distribuição de questões definidas da seguinte maneira:

  • Direito Constitucional (16 questões);
  • Direito Administrativo (10 questões);
  • Noções gerais de Direito e Formação Humanística (6 questões);
  • Direitos Humanos (6 questões);
  • Direito Processual Civil (12 questões);
  • Direito Civil (12 questões);
  • Direito Empresarial (6 questões);
  • Direito Penal (21 questões).

A habilitação no ENAM tem validade de dois anos, prorrogável uma única vez por mais dois anos, a partir da divulgação do resultado definitivo do exame. O Exame Nacional da Magistratura terá ainda uma segunda edição em outubro de 2024.

Agora, resta esperar o que o futuro reserva para este novo modelo de prova preliminar e o como esse formato será conduzido com o retorno dos demais editais de concursos específicos para os aprovados.

*Arnaldo Bruno Oliveira é professor e fundador do Curso Mege preparatório especializado no estudo para magistratura