Leonardo Barém Leite*
O Brasil é um dos países campeões do empreendedorismo mundial, em grande parte por conta da criatividade do nosso povo, e de seu próprio “espírito empreendedor”, mas também em função da necessidade, uma vez que o sonho do “emprego garantido” é cada vez mais distante para grande parte da população.
De outro lado, somos também considerados um dos países com mais pontos de atenção, e de desafios para a segurança jurídica, necessária em todos os campos — e em especial para a condução dos negócios pelas empresas.
Investidores e empresários sabem que o universo corporativo envolve apostas e riscos, e sabem que podem perder, mas é preciso que tenham um mínimo de proteção e uma certa garantia de limite de risco, para que consigam empreender de uma forma relativamente calculada e segura.
Se parceiros comerciais, força de trabalho, consumidores e mesmo os governos/tesouros, têm expectativas de receber seus créditos e querem receber o que lhes é devido, mesmo quando os negócios das empresas não vão bem, e esse pleito costuma ser legítimo, claro está que precisamos encontrar o equilíbrio, sob pena de aos poucos matarmos o empreendedorismo brasileiro.
Há muito tempo temos leis que disciplinam as relações entre empresas e entre essas e os demais atores da economia, mas o equilíbrio ainda não foi encontrado e, em certa medida, ninguém está satisfeito, sendo preciso que todos trabalhemos para encontrar uma maneira de melhorar a eficiência do sistema.
Com muita frequência (e quase diariamente) surgem notícias de empresas que fecham, de empresas que “saem do Brasil”, ou que desistem de investir aqui, por conta da insegurança jurídica e dos riscos que não conseguem estimar – o que nos coloca em posição muito ruim frente a outros países, que, por sua vez, atraem mais investimentos (e conseguem mantê-los).
Nesse contexto, o direito societário acompanha o tema, e igualmente encontra vários aspectos em que o empreendedorismo de um lado e a segurança jurídica de outro ainda não encontraram o necessário e urgente equilíbrio.
Provavelmente, a maioria das pessoas que não conheça de perto o direito comercial e o direito societário brasileiros, desconheça, também, a própria origem de um dos maiores fatores de fomento ao empreendedorismo e às empresas, qual seja o princípio da limitação da responsabilidade e da separação de patrimônios.
Há muitos séculos o mundo entendeu que para estimular empreendedores a investir (arriscar) suas economias (por exemplo) na produção de bens e na prestação de serviços, em benefício da sociedade, provendo as pessoas “do que precisam”, movimentando a economia, criando empregos e pagando tributos, é preciso que exista demanda, que exista crédito, que existam incentivos, mas que também exista um mínimo de segurança e de garantia do limite da responsabilidade (e do risco).
Nesse campo e mais especificamente no caso brasileiro, foram criadas há muito tempo as duas principais modalidades empresariais, quais sejam, os principais tipos societários, a sociedade limitada e a sociedade por ações (em linguagem mais popular e empresarial).
Ambas foram muito bem aceitas no Brasil, e respondem pela maioria de nossas empresas, sendo que sua principal base é a da limitação da responsabilidade (e do risco) do empreendedor, ao capital alocado/investido.
Esse princípio é tão antigo quanto importante, mas, infelizmente, já não tem sido observado como deveria, gerando enorme insegurança jurídica, afastando investidores e empresários, que têm cada vez mais receio de arriscar. E essa questão tem afetado negativamente o empreendedorismo, as relações de trabalho, os mercados e, de certa forma, todos nós.
Se existem casos de abusos e de fraudes por parte de alguns empresários, e é claro que tais casos precisam ser coibidos, temos que igualmente reconhecer e considerar que o atual estágio da insegurança das empresas com o abuso da desconsideração da personalidade jurídica, e das principais bases do direito societário e da separação/limitação de responsabilidades, não pode prosperar.
A legislação é clara ao separar os patrimônios, limitar o risco, limitando a responsabilidade dos empresários, mas crescentemente, em processos de várias modalidades, ocorre um desmedido aumento do risco, afetando as pessoas físicas dos empreendedores, e por vezes, até de executivos que nem sequer donos das empresas são.
A quantidade de casos e de hipóteses, em que, na prática, empresários e executivos são processados, e por vezes perdem parcela substancial de seus patrimônios, é tão grande que muitas empresas já nem conseguem nomear conselheiros, diretores e até gerentes, em função do risco absurdo que correm atualmente.
O País precisa de regras e de práticas mais firmes e mais confiáveis, pois precisa cuidar dos trabalhadores e apoiar para que recebam o que lhes é devido, bem como do recebimento de tributos, mas é igualmente preciso cuidar das empresas, uma vez que sem elas a nossa economia quebra, tudo para e já não teremos sequer suprimentos ou empregos para a população.
Abusos devem ser contidos sim, e há leis nesse sentido, mas temos que construir com urgência uma nova relação da sociedade com o empreendedorismo, com as empresas, com os empresários e mesmo com o risco, o que passa, bastante, pela revisão de diversas posturas por parte do nosso Poder Judiciário, em diversas esferas, que precisa refazer as pazes com o direito comercial e com o direito societário.
O tema não é simples, mas é urgente, e requer a atenção de todos, pois temos que conseguir criar mecanismos que melhorem as devidas proteções a todos os que arriscam, a todos os que se dedicam, sob pena de “perdermos tudo”.
* Leonardo Barém Leite é advogado corporativo em São Paulo, sócio sênior de Almeida Advogados, Presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB/SP-Pinheiros, Membro da Comissão Jurídica do IBGC, e integrante do IDSA (Instituto de Direito Societário Aplicado).