Em casos de morte decorrente de acidente de trabalho, é possível o rateio do dano moral?

*Sebastião Barbosa Gomes Neto

Infelizmente ainda é comum a ocorrência de acidentes de trabalho com óbito no nosso País. Em levantamento feito pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, uma colaboração entre o Ministério do Trabalho Público e a Organização Internacional do Trabalho, constatou-se que de 2012 a 2020 ocorreram mais de 5 milhões e 500.000 acidentes de trabalho e mais de 20.400 mortes[i].

Nos acidentes com óbito é a família do empregado que busca a indenização, seja ela por dano moral ou mateial. Muitas das vezes de forma cumulativa. No caso de esposa e filhos menores o dano material é presumido, visto que de plano vislumbra-se que parte da remuneração do empregado iria para sustento do núcleo familiar principal. Já para os pais deve ser comprovado que o trabalhador subsidiava total ou parcialmente suas despesas.

Nesses casos o valor do dano material será rateado entre todos, visto que deve ser feito um cálculo matemático da última remuneração do trabalhador, excluindo 30%, o que o TST entende que seria despendido com o próprio trabalhador.  Assim, num primeiro momento haveria divisão entre esposa e filhos menores. Caso seja devido aos pais, deve haver o mesmo procedimento, com rateio entre as partes. Conclui-se assim que o valor de dano material que corresponde a 70% da remuneração do trabalhador deve ser dividido entre os legitimados que comprovem dependência econômica.

Uma dúvida que paira é quanto ao dano moral. Ele também deveria ser quantificado e dividido? É certo que cada familiar sofre com a ausência do trabalhador. Mas, hipoteticamente, se a viúva recebesse R$ 100.000,00, seria esse valor devido aos filhos (de outro casamento, por exemplo) ou aos pais, ou deveria ser rateado?

A resposta é que o valor deveria ser rateado entre todos. Deveria ser definido um valor global devido e todos os legitimados deveriam ratear. Isso porque, pensar diferente seria dizer que se a esposa recebeu R$ 100.000,00 por danos morais em uma ação autônoma, os pais, um filho de outro casamento e até mesmo um irmão teria idêntico direito. Sem dizer que ao distribuir indenizações por danos morais aos familiares estar-se-ia inviabilizando a atividade econômica do empregador, que não saberia quando teria fim os pedidos de indenização. 

Não se pode pôr em dúvida que a compensação pelo dano moral é uma só. Se ingressa em juízo um só legitimado, terá direito ao um determinado valor. Por exemplo, 50 salários mínimos. Se ingressam dois ou mais legitimados, deverão repartir entre si os mesmos 50 salários mínimos, e assim por diante. E se posteriormente outro legitimado pleiteia reparação pelo mesmo fato, quando outro já tenha obtido aquele valor em ação judicial, só restará a este último pleitear parte desse valor daquele que já recebeu e não pretender valor novo. Assim não fosse estar-se-ia diante de verdadeira indústria da indenização, criando-se insuportável bola de neve, o que não pode ser admitido[ii].

Além disso, independentemente do que algumas partes legítimas tenham — com a sistemática posterior a Reforma Trabalhista — realizado acordo judicial trabalhista anteriormente, o valor global da indenização por danos morais na morte de um funcionário deve ser compartilhado entre todas as partes legais responsáveis ​​por reclamações relacionadas individualizadas. Uma quantia paga proporcionalmente às próprias ações. Portanto, os pedidos de indenização por danos morais em processos posteriores devem ser julgados improcedentes[iii].

Como diz Rui Stoco: “o responsável pelo dano poderia ser acionado e obrigado a indenizar inúmeros parentes, amigos e afins em uma cadeia infindável, dependendo do que fora a vítima em vida e do tamanho da sua família.”[iv] Seguindo essa linha de raciocínio, destaca-se trecho da obra de Sebastião Geraldo Oliveira, citando Humberto Theodoro Junior: “seria preferível atribuir a indenização ao núcleo familiar como uma unidade ou uma comunidade.”[v]

No livro do Professor Humberto Theodoro Junior é dito: “definidos os parentes a serem indenizados, remanesce outro problema sério: o cálculo da indenização será feito de modo a multiplicar a verba reparatória pelo número de parentes do ofendido, ou se apurará um valor geral a ser rateado entre os membros do clã? Sempre nos pareceu que a indenização do dano moral não deve ser apurada de maneira diversa do que se passa com o dano material. Assim como o pensionamento se estipula em bloco para a família, também a indenização da dor moral deve ser única, e não repetida inúmeras vezes diante de cada parente que compareça em juízo em busca de igual reparação.”[vi]

Destarte, a resposta que parece ser mais sensata é que sim. Em caso de falecimento do trabalhador decorrente de acidente do trabalho a ofensa moral de natureza gravíssima de até cinquenta vezes o último salário contratual do acidentado deve ser divido entre esposa, filhos, pais e demais partes que comprovem a legitimidade.

*Sebastião Barbosa Gomes Neto é graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG.  sebastiao@alvarosantosadvocacia.comalvarosatosadvocacia.com

[i] Disponível em http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/51798#:~:text=Dados%20previdenci%C3%A1rios%20demonstram%20que%20em,acidentes%20do%20trabalho%20no%20pa%C3%ADs. Acesso em: 6 de jan. 2022

[ii] Tratado de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Tomo 2, pág. 968

[iii] RR – 81-36.2013.5.08.0101, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 12/03/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/03/2014

[iv] Tratado de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Tomo 2, pág. 969

[v] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. — 12. ed. rev. c atual. — Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 450.

[vi] Dano moral – 8. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 169