Eleição da cegueira

*David Soares

Estamos cegos. O medo e o ódio nos impedem de enxergar o bom senso e a razão, ainda que estejam a um palmo do nosso nariz. Desde a redemocratização, não consigo me lembrar de um período eleitoral tão polarizado quanto o de 2022.

A polarização política acontece quando as pessoas estão irredutivelmente decididas sobre seus candidatos e não suportam a ideia de alguém apoiar alguém diferente. Não existe diálogo.

Entre julho e o começo de outubro, cinco assassinatos foram cometidos por motivos fúteis após discussões políticas. Cinco mortes que poderiam ter sido evitadas.

Após a apuração dos votos, uma onda chocante de xenofobia tem sido propagada publicamente na internet e em rodas íntimas de conversa.

Os ataques foram direcionados principalmente contra as regiões Norte e Nordeste pelos votos a Lula que viraram o resultado do primeiro turno. Mesmo em menor quantidade, eleitores das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste foram atacados pela maioria dos votos a Jair Bolsonaro.

Em Cachoeira Alta, interior de Goiás, áudios se tornaram públicos com ofensas a eleitores do município que tem origem nordestina por votarem em Lula. O atual presidente recebeu apenas 34 votos a mais que o adversário em Cachoeira Alta.

Uma advogada mineira afirmou em um vídeo que “não vai mais alimentar quem vive de migalhas”, referindo-se aos moradores da região Nordeste.

Nossa Constituição é clara ao trazer que todos são iguais perante a lei. Ela garante também a livre manifestação de pensamentos. Essa liberdade não é motivo para exageros de qualquer espécie.

O número elevado de casos de agressões verbais, reputacionais e até físicas nos levam a uma reflexão: aonde iremos chegar? Ou pior: onde estamos?

Todas as instituições devem se unir nesse momento e lutar energicamente no intuito de encontrar medidas duras e eficazes para restabelecer a ordem que é o verdadeiro significado do nosso estado democrático.

Vidas perdidas, famílias destruídas, amizades desfeitas e negócios rompidos por conta de decisões que afetarão a todos. Quando abriremos os olhos?

*David Soares é advogado criminalista e conselheiro federal da OAB