E se o futuro do Direito não incluir todos os advogados?

Danielle Serafino*

No início deste ano, Richard Susskind — conhecido por desafiar a zona de conforto do setor jurídico — publicou um artigo no The Times com um título que parece ficção científica, mas que merece ser levado muito a sério:

“A inteligência artificial pode substituir os advogados tradicionais até 2035”

A previsão não é sobre uma IA pontual, como as que usamos hoje para revisar contratos ou gerar petições. Ele está falando da chamada AGI — Inteligência Artificial Geral — uma tecnologia capaz de realizar qualquer tarefa cognitiva tão bem quanto nós, seres humanos.

Na visão de Susskind, se os cidadãos buscam soluções jurídicas eficazes, rápidas e acessíveis… e se a tecnologia pode entregar exatamente isso, por que manter uma estrutura centrada em advogados humanos como ponto obrigatório de passagem?

Essa provocação toca fundo porque desmonta uma crença quase sagrada na nossa profissão: a de que somos insubstituíveis e que sem advogado não se faz justiça. Mas e se não formos?

E mais: ser insubstituível é realmente o que importa?

Talvez o que de fato deveria nos mover seja o impacto que causamos. A relevância da nossa atuação. A capacidade de resolver problemas reais, e não apenas de cumprir formalidades. Susskind nos chama a imaginar um futuro onde o Direito se torna um serviço — e não um privilégio. Onde a tecnologia deixa de ser coadjuvante e passa a ser protagonista.

Ele não está dizendo que todos os advogados vão desaparecer. Mas sim que o modelo tradicional — esse que se ancora em barreiras de entrada, linguagem inacessível e processos excessivamente humanos — está com os dias contados. O que virá, segundo ele, é uma nova era de profissionais jurídicos que saberão operar sistemas, desenhar fluxos automatizados, criar experiências digitais e, sobretudo, colocar o cidadão no centro de tudo.

Esse deslocamento de foco — do profissional para o usuário — muda completamente o jogo.

Enquanto ainda nos preocupamos em defender prerrogativas e manter nosso lugar na mesa, o mundo caminha para construir outras mesas, com outros protagonistas. Plataformas que entregam justiça sem audiência. Sistemas que resolvem disputas sem petição. Algoritmos que aprendem com jurisprudência para sugerir acordos antes mesmo do conflito escalar.

Tudo isso já está acontecendo. E fingir que não está só adia o inevitável.

A pergunta que fica — e que incomoda — não é se a IA vai mudar a advocacia. Ela já está mudando. A pergunta é:

Vamos ser arrastados por essa mudança ou vamos decidir como queremos participar dela?

Talvez o maior desafio do advogado do futuro não seja competir com a máquina, mas sim aprender a trabalhar com ela. Entender seus limites. Explorar suas potencialidades. E, acima de tudo, lembrar o que nos torna únicos: a empatia, a escuta, a ética, o discernimento diante da complexidade humana.

A tecnologia pode entregar decisões. Mas só a gente pode entregar sabedoria. A máquina pode propor soluções. Mas só a gente pode entender a dor.

O futuro do Direito pode até não incluir todos os advogados.

Mas certamente vai precisar dos profissionais que tiverem coragem de se reinventar.

E você? Está se preparando para ser esse profissional ou está apenas esperando que o futuro se acomode à sua zona de conforto?

*Danielle Serafino é sócia de Opice Blum Advogados, onde lidera iniciativas de inovação jurídica e tendências de mercado.