É possível aos cônjuges (casal) contratar sociedade entre si?

*Raoni Sales de Barros

A resposta está no artigo 977, do Código Civil, que diz o seguinte: Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.

Ou seja, o artigo 977, do Código Civil, visa impedir que cônjuges casados no regime de comunhão universal e de separação obrigatória façam parte da mesma sociedade, não havendo impedimento para contratar sociedade com terceiros. Este é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CASAMENTO EM REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE COM TERCEIROS POR UM DOS CÔNJUGES. ART. 977 DO CC. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A interpretação do art. 977 do Código Civil permite concluir pela inexistência de impedimento legal para que alguém casado sob o regime de comunhão universal ou de separação obrigatória participe, sozinho, de sociedade com terceiro, sendo a restrição apenas de participação dos cônjuges casados sob tais regimes numa mesma sociedade. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no REsp: 1721600 CE 2018/0009984-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 30/09/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2019)

Todavia, existe uma corrente doutrinária contrária à aplicação do referido artigo para as sociedades anônimas, em comandita por ações e cooperativa, por se tratar de sociedades que são regidas por estatutos e leis específicas, e não possuem natureza contratual, conforme enunciado número 94, da III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, confira-se:

“ENUNCIADO 94: A vedação da sociedade entre cônjuges contida no art. 977 do Código Civil não se aplica às sociedades anônimas, em comandita por ações e cooperativa. (https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-de-direito-comercial/enunciados-aprovados-iii-jdc-revisados-2.pdf)

Na mesma linha de entendimento, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), encaminhou ofício circular SEI nº 6/2019/DREI/SGD/SEDGG-ME para todas as juntas comerciais, defendendo que a vedação do art. 977, do Código Civil, não se aplica às sociedades anônimas ou em comandita por ações e cooperativa. Veja no link a seguir: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/oficios-circulares-drei/2019/Ofcioa_Circulara_SEIa_6a_2019a_DREIa_SGDa_SEDGGa_ME.pdf

Porém, caso a sociedade entre os cônjuges tenha sido contratada antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, não há qualquer vedação, por ausência de previsão legal no Código Civil de 1916, conforme esclarece a jurisprudência:

Ação de obrigação de fazer. Oficial registrário que nega averbação de alteração social de sociedade. PARTILHA DE BENS DECORRENTE DO DIVÓRCIO. Ação proposta pelo cônjuge virago. Réu que não regularizou a sua representação processual, tendo sido declarada a sua revelia. Sentença de parcial procedência. Inconformismo da autora no que tange à partilha da sociedade empresária constituída pelo casal, sobre a qual ficou estabelecido que ela teria direito ao valor que estava devidamente integralizado à data da separação de fato, observado, em todo caso, o percentual de sua participação no capital social. Partes que são casadas pelo regime de comunhão universal de bens. Sociedade empresária constituída antes da vigência do Código Civil de 2002. Aplicação do entendimento firmado na III Jornada de Direito Civil promovida pela Justiça Federal, que sustenta que a proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002. Comunhão universal que importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, com exceção dos contidos no artigo 1.668 do CC/02. Autora que faz jus à metade dos 99% do capital social pertencente ao réu, enquanto ele tem direito à metade do 1% do capital social que compete à autora. Venda da sociedade empresarial, todavia, que não foi comprovada, não havendo que se falar em indenização nestes autos. Sentença reformada, para partilhar o capital social da sociedade empresária em 50% para cada cônjuge. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP – AC: 10113508620158260019 SP 1011350-86.2015.8.26.0019, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 08/10/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/10/2020)

Portanto, apesar de existir entendimento doutrinário contrário à legislação vigente (artigo 977, do Código Civil), os cônjuges casados em regime de comunhão universal e de separação obrigatória NÃO podem fazer parte da mesma sociedade, caso a constituição da sociedade seja posterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002.

*Raoni Sales de Barros é advogado especialista em direito empresarial pela PUC/GO e sócio do escritório Murillo Lobo e Advogados Associados.