Dolo eventual versus culpa consciente

Alan Kardec Cabral Jr.

A vida compõe-se, hodiernamente, de uma quantidade razoável de atividades arriscadas, das quais podem causar diversos tipos de lesões. Nesse contexto, por meio de políticas criminais, não podendo frear a produção frenética das máquinas potentes, pelo “bem da sociedade de consumo”, passa-se a criminalizar condutas perigosas.

Desse modo, argumentou-se, à época, sobre a necessidade de se criar, também, o crime culposo, com a finalidade de proteção da estabilidade da nova formação social capitalista (Tavares).

Surgiu, então, no direito penal, a figura do crime culposo – quando o indivíduo causa um resultado ilícito por alguma ação imprudente, negligente ou imperita. Assim, tem-se um dos tipos do crime culposo – qual seja, a culpa consciente, na qual caracteriza-se, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado típico; e, no nível emocional, pela leviana confiança em evitá-lo (Cirino dos Santos).

O indivíduo, portanto, nessa modalidade de crime, age sabedor que sua ação pode causar algum dano; contudo, confia, piamente, em sua habilidade em impedi-lo.

Por sua vez, o crime de dolo eventual tem como característica o indivíduo que, no nível intelectual, leva a sério o possível resultado; e, no nível emocional, conforma-se com a eventual produção desse resultado (Cirino dos Santos). Logo, o indivíduo, age sabedor que sua ação pode causar algum dano e, simplesmente, não se importa acaso isso vier acontecer.

Bem por isso, inegável que uma das questões mais candentes do direito penal é a diferenciação entre culpa consciente e dolo eventual.

Diante de certo incidente, entretanto, não se pode olvidar que o dolo eventual não deixa de ser dolo – ou seja, para imputá-lo, há, obrigatoriamente, que se analisar o conhecer e o querer do agente causador.

Nada obstante, é fácil perceber ante alguns crimes, como os homicídios culposos na direção de veículo automotor – principalmente os que envolvem a condução sob efeito de álcool e, os chamados, rachas ou pegas -, há, verdadeiramente, presunção de dolo.

Uma das explicações para essa presunção, dentre outras, é que, não raras vezes, se defrontará com uma mídia sensacionalista, além duma sociedade punitivista, que brada por respostas rápidas e enérgicas do poder Judiciário.

Diante disso, há certa dicotomia aos profissionais do Direito, qual seja: cumprir-se a técnica e respeitar a ciência para formar soluções solidas ou ceder à pressão midiática que encampa a ideia da sociedade imediatista.

Por mais dolorosos e tristes sentimentos que tragédias nos trazem, não se pode perverter a teoria do delito para satisfação pública. Assim, parece-nos que o primeiro caminho se mostra mais sólido – embora mais demorado, uma vez que o direito criminal não se presta a compensar à falta de políticas públicas e à fiscalização preventiva.

Essa posição, ainda que por certa minoritária, é para garantir – parafraseando Israel Jorio – que séculos de desenvolvimento teórico, incontáveis horas de estudo e páginas de pesquisa não se percam diante da vontade incontrolável de se criar soluções mágicas que satisfaçam um anseio pessoal ou social por “justiça”.

Por tudo isso, consoante a literatura penal contemporânea, frente à similitude entre dolo eventual e culpa consciente, nota-se odiosa discricionariedade e seletividade na aplicação prática dos conceitos descritos – o que, inequivocamente, não se deve tolerar, pois o direito se mostra impotente diante de uma tragédia humana.

*Alan Kardec Cabral Jr. é especialista em processo e direito penal, advogado da equipe Rogério Leal Advogados e Associados