Do negacionismo epistemológico a disruptura social

Marcelo Bareato*

O debate sobre negacionismo científico frequentemente interage com discussões epistemológicas profundas, pautadas em como o conhecimento é percebido e legitimado dentro das comunidades científicas e na sociedade como um todo.

Tais debates são essenciais para compreender a relação entre a ciência e as correntes de pensamento que desafiam seu status quo.

A discussão acerca do negacionismo científico envolve a análise de como certas vertentes epistemológicas podem ser apropriadas para questionar a validade da ciência. Isso frequentemente ocorre através de discursos que podem ser ancorados em perspectivas pós-modernas, que desafiam as noções tradicionais de verdade e objetividade científica.

Esses debates são não apenas acadêmicos, mas também possuem uma dimensão prática significativa, pois influenciam como políticas públicas são formuladas e como a sociedade em geral percebe e valoriza o conhecimento científico.  Além disso, o negacionismo científico também pode ser visto como uma luta epistemológica, na qual disputas sobre o que constitui conhecimento válido são centrais.

Ele desafia a hegemonia de certos grupos que detêm o poder epistêmico, questionando a autoridade e a legitimidade de instituições científicas estabelecida. Isso ressalta a importância da organização popular e da participação democrática nos processos de produção e validação do conhecimento.

A partir desse ponto de vista, a necessidade de conhecer a lei posta e dominar o conhecimento sobre seus direitos e deveres para com o grupo social, é papel fundamental do cidadão e representa fator limitador sobre a veiculação de pensamentos contrários a norma.

Não por menos, a epistemologia é o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais. Dito de outra forma e mais simplificada, chamamos epistemologia o estudo do conhecimento.

Desse ponto de vista, o papel da epistemologia no negacionismo científico é crucial, pois esclarece como diferentes construções de saber e poder são formadas e contestadas dentro dos ambientes acadêmicos e sociais. Assim, ao considerar o negacionismo científico sob a ótica epistemológica, abre-se espaço para um entendimento mais aprofundado sobre as dinâmicas de aceitação ou rejeição do conhecimento nas sociedades contemporâneas. Equivale a dizer que o negacionismo rejeita a existência ou verdade sobre algo, apesar das evidências ou argumentos que o comprovam.

Por sua vez, no contexto de uma análise epistemológica que aborda as dinâmicas da disruptura social até o fenômeno do negacionismo, é crucial compreender a natureza multidimensional dessa transição. A disruptura, especialmente no âmbito social, envolve a alteração, disfunção ou rompimento da vida social, frequentemente em um contexto comunitário. Essas alterações podem ser impulsionadas pela inovação tecnológica, que transforma tanto as práticas como as expectativas sociais, deslocando o equilíbrio estabelecido.

É fundamental observar que a disruptura pode ter tanto manifestações positivas quanto negativas. Por um lado, entidades e indivíduos classificados como “disruptores” esforçam-se para mudar a maneira como lidamos com questões sociais profundas, como a pobreza e o etiquetamento social. Por outro lado, a disruptura pode levar a uma desestabilização que resulta em respostas de medo ou resistência às mudanças, podendo até encaminhar sociedades em direção ao autoritarismo como reação às incertezas geradas pelo novo contexto tecnológico.

Ademais, o engajamento com questões sociais modernas, como movimentos antirracistas, LGBTQIA+, empoderamento feminino, e a agenda ambiental, pode ser visto como um aspecto da disruptura social incentivada por mudanças nos valores e na conscientização pública. Estas transformações refletem uma mentalidade disruptiva que emerge em resposta a crises ou necessidades de reavaliação de práticas estabelecidas, como visto durante a pandemia, por exemplo.

Assim, ao considerar a relação entre disruptura social e negacionismo epistemológico, torna-se evidente que a negação de fenômenos cientificamente validados, muitas vezes surgem de rupturas nas compreensões aceitas. As alterações nas estruturas sociais e epistêmicas podem ferir interesses estabelecidos ou desafiar verdades incômodas, levando à formação de movimentos negacionistas que rejeitam novos conhecimentos ou metodologias que contrariem suas visões preconcebidas.

Destarte, alguns questionamentos poderiam ser levantados, a título exemplificativo, como: 1) o regramento deve seguir o que o STF diz, ou o que está previsto na lei; 2) a vergonha que passamos lá fora com as decisões baseadas em dilemas, será suficiente para que o processo penal volte aos trilhos, ou teremos que continuar em mares revoltos; 3) continuaremos nossos processos eleitorais a cadeiradas e socos, ou seremos propositivos; 4) a internet será a tábua de salvação dos tempos modernos, ou o emburrecimento dos preguiçosos; 5) aprenderemos a conviver, ou seremos afetados negativamente pelos avanços da IA em tempos robotizados de progresso; 6) até quando precisaremos de subculturas para guarnecer a cultura que não nos representa?

Finalmente, a análise da trajetória da disruptura ao negacionismo epistemológico revela uma complexa interação entre inovação, resistência, aceitação social e reconfiguração epistêmica, indicando que a disruptura pode tanto catalisar transformações positivas, promovendo inclusão e entendimento, como é o caso do uso da internet para conectar pessoas ao redor do mundo e prevenir catástrofes, quanto desencadear reações conservadoras ou negacionistas, como a proibição de celulares e computadores em salas de aulas para reavivar a convivência entre os estudantes e reforçar laços de amizade, conforme diferentes interesses e perspectivas são afetados pelo processo de mudança, notadamente no centro de uma sociedade que se mostra incapaz de se aprofundar nos estudos de temas cruciais para sua manutenção, crescimento e sobrevivência, possibilitando o domínio de grupos nem tão bem intencionados e pautados exclusivamente no interesse financeiro, subjugando seus súditos.

* O autor é Doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial, Direito Internacional Público, Relações Humanas, Criminologia e Execução Penal na PUC/GO e na EBPÓS – Escola Brasileira de Pós Graduação, Conferencista, Parecerista, Advogado Criminalista, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Vice Presidente da ABRACRIM/GO – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Seccional Goiás, Membro da Comissão de Direitos Humanos da Seccional OAB/GO, Membro da Coordenação de Política Penitenciária da OAB/Nacional, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Coordenador da Comissão Intersetorial de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, Membro da ABA – Associação Brasileira dos Advogados, Membro da AASP – Associação dos Advogados do Estado de São Paulo/SP, Membro do IBCcrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).