Do indeferimento da petição inicial – efeitos procedimentais e materiais

Fernanda Santos*

Qual o recurso cabível para indeferimento da petição inicial? Se, mesmo após a concessão de prazo, não for sanado o vício indicado pelo Juízo, a petição inicial será indeferida, momento em que o autor poderá apresentar Recurso de Apelação, de acordo com o artigo 1.009 e seguintes do NCPC/2015. Desde já deve se compreender os efeitos diretos perante os feitos judiciais, do indeferimento da petição inicial nestes casos. Este texto é um pequeno esboço que visará ressaltar, compreender e evitar os efeitos nocivos do indeferimento total da petição inicial, que é uma causa de extinção do processo. Trata-se, neste caso, de sentença e, por isso, o recurso adequado para impugnar o ato é o de Apelação e não o de Agravo.

Cabe alertar que as regras do indeferimento da petição inicial são praticamente as mesmas em qualquer processo e, neste caso em Processo Civil, é importantíssimo o entendimento do tema. Evitando assim possíveis intercorrências e transtornos judiciais.

A petição inicial é o ato processual que dá início à ação e inaugura a marcha processual. Diante de sua importância para o correto desenvolvimento processual, o NCPC/2015 dispõe sobre os requisitos do indeferimento da mesma (BRASIL, 2023, s/p). O Processo Civil brasileiro é constituído a partir de um modelo definido pela Constituição da República, o chamado modelo constitucional de Processo Civil. Os princípios contidos na legislação Fundamental são implementados, portanto, por meio de princípios e regras estabelecidas no Código de Processo Civil. (CÂMARA, 2017).

O indeferimento da petição inicial ocorrerá quando ela possui algum defeito, erro ou falha processual que impedirão o pleno prosseguimento do processo. Estes defeitos estão, em sua maior parte, contidos no art. 330, do NCPC/2015 (BRASIL, 2023, s/p). Cumpre de início destacar que a sentença que indefere a petição inicial não faz coisa julgada material, de modo que permitirá que a ação seja novamente proposta com base nos mesmos fundamentos.

O autor, ao ajuizar uma determinada ação judicial perante o Poder Judiciário, deverá ter alguns cuidados, que, caso não sejam observados, poderão levar ao indeferimento da petição inicial, sendo certo que não interposto recurso, o réu será intimado do seu trânsito em julgado.

Ao receber a petição inicial para sua primeira análise, o magistrado poderá: a) designar dia e hora para a realização da audiência de tentativa de conciliação ou da sessão de mediação (art. 334), determinando o aperfeiçoamento da citação do réu, reconhecendo expressa ou tacitamente que a petição é apta, preenchendo os requisitos dos arts. 106, 319 e 320 (BRASIL, 2023, s/p); b) determinar que o autor emende a petição inicial, quando constatar a existência de vício sanável, aplicando o art. 321 (BRASIL, 2023, s/p); c) julgar liminarmente improcedente o pedido, aplicando o art. 332 (BRASIL, 2023, s/p); d) indeferir a petição inicial, através de sentença (geralmente) terminativa, que como regra produz coisa julgada formal, não impedindo o ajuizamento de nova ação fundada nos mesmos elementos do processo extinto (partes, causa de pedir e pedido), desde que seja possível eliminar o vício que acarretou a extinção do primeiro processo (BRASIL, 2023, s/p). Como verificado nestas linhas, para que o juiz, após o recebimento da inicial, possa despachar determinando que resta formalizada a relação processual, há necessidade do preenchimento dos requisitos “legitimidade processual”, “condições da ação” e “pressupostos processuais”.

Se o juiz verificar a inexistência destes, nos primeiros momentos do processo, ou mandará que se corrija o erro via Emenda a Inicial, ou extinguirá o processo sem resolução de mérito, a depender da situação enfrentada. Se a petição inicial estiver regular, o juiz determinará a citação do réu. Somente é possível falar-se em indeferimento da inicial antes da citação do réu.

O indeferimento da petição inicial ocorre após o seu recebimento, sem que a citação do réu seja aperfeiçoada, permitindo a conclusão de que o processo existe apenas entre o autor e o magistrado. Ao indeferir a petição inicial, o magistrado reconhecerá a ausência de uma das condições da ação (situação mais frequente), ou seja, de requisitos formais mínimos, impedindo a prolação da esperada sentença de mérito.

A inépcia está relacionada a vícios no pedido. Na hipótese de o autor deixar de discriminar o valor incontroverso, o juiz deve lhe conceder a oportunidade para emendar a petição inicial, nos termos do art. 321 do NCPC/2015. Caso não o faça, caberá ao magistrado indeferir a petição inicial por inépcia e extinguir o feito sem resolução do mérito (art. 485, I, do NCPC/2015) (DONIZETTI, 2018).

A legitimidade das partes é uma das condições da ação, a ilegitimidade de qualquer delas caracteriza a carência de ação, questão de ordem pública, do interesse do Estado, podendo (e devendo) ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo de ofício pelo juiz, independentemente de provocação da parte interessada (réu), conforme previsões do inciso XI do art. 337, e seu § 5º (BRASIL, 2023, s/p).

Se o magistrado não constatar a ausência de legitimidade da parte no início do processo, o réu poderá denunciá-la como preliminar da contestação, de natureza peremptória, cujo acolhimento acarreta a extinção do processo sem a resolução do mérito. A ausência do interesse pode acarretar a extinção do processo sem a resolução do mérito, de igual modo sendo matéria de ordem pública, do interesse do Estado, justificando a prerrogativa conferida ao magistrado de indeferir a petição inicial. O interesse processual também é uma condição da ação.

O interesse envolve o trinômio necessidade – utilidade – adequação, exigindo assim do autor a comprovação de que o processo é o único instrumento de que dispõe para eliminar o conflito de interesses; de que o pronunciamento que pretende obter lhe será útil, melhorando a sua situação financeira, patrimonial, emocional ou de outra natureza, e de que fez uso do instrumento jurídico adequado, predefinido em lei para o caso concreto.

O magistrado deve conceder o prazo de 15 dias úteis para que o autor a emende. Por se tratar de decisão meramente formal ou de rito, o indeferimento da inicial não impede que o autor volte a propor mesma ação, evitando, logicamente, os defeitos que inutilizaram sua primeira postulação. Montenegro Filho (2018) assevera que o instituto valorizou o princípio da razoável duração do processo, ao tempo em que se aproximou do sistema do common law (direito comum, em tradução livre), marcado pela valorização dos precedentes jurisprudenciais, como técnica de resolução de conflitos.

Há casos, porém, em que o juiz profere, excepcionalmente, julgamento de mérito ao indeferir a inicial, isto é, decide definitivamente a própria lide. É o que ocorre quando o magistrado, do cotejo entre os fatos narrados pelo autor e o pedido, concluir que não decorre logicamente a conclusão exposta (art. 330, § 1º, III) (BRASIL, 2023, s/p).

O art. 331 do NCPC/2015 prevê e regulamenta a possibilidade de retratação da decisão que indefere a petição inicial. Segundo o caput, indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultando-se ao juiz, no prazo – impróprio – de 05 dias, reformar sua sentença (BRASIL, 2023, s/p). Trata-se de atividade oficiosa, de forma que, mesmo não havendo pedido expresso nesse sentido elaborado pelo apelante, a retratação pode ser realizada de ofício. A defesa pode ser exercida plenamente quando da apresentação de contrarrazões ao recurso. Nesse sentido explanam Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 311):

Após citado, o réu tem a possibilidade de rebater a totalidade dos argumentos da apelação e, por consequência, exercer plenamente o seu direito de defesa. Assim, poderá o réu alegar que o caso concreto realmente se amolda à decisão tomada como parâmetro e/ou que essa decisão é justa. Como o fundamento da ação foi rejeitado pela decisão que serviu de base para a sentença apelada, o réu tem condição plena de exercer o seu direito de defesa através da resposta ao recurso de apelação.

A decisão de retratação é irrecorrível, porque ausente do rol do art. 1.015 do NCPC/2015 (BRASIL, 2023, s/p). Contudo, se o juiz indeferir a petição inicial e não se retratar, nos termos do § 1º do art. 331 do NCPC/2015, o réu será citado para responder o recurso, ou seja, será integrado ao processo e terá oportunidade de oferecer contrarrazões, realidade não presente CPC/1973.

Embora a decisão de indeferimento da petição inicial seja proferida no início do processo, sem que a citação do réu tenha sido aperfeiçoada, encontramo-nos diante de sentença, passível de ataque através da interposição do recurso de apelação, no prazo geral de quinze dias úteis. O indeferimento total da petição inicial é uma causa de extinção do processo. Trata-se, neste caso, de sentença e, por isso, o recurso adequado para impugnar o ato é o de apelação e não o de agravo (BRASIL, 2023, s/p).

Tal entendimento permite incluir, além das partes, o magistrado como agente processual ativo do contraditório e da celeridade. Todos os institutos valorizam o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF; art. 4º do NCPC/2015), sendo entendidos por alguns doutrinadores como um dever e não uma faculdade do juiz, sob pena de afronta ao princípio da razoável duração do processo. Assim, se é possível decidir liminarmente ou julgar o processo sem a necessidade de dilação probatória, assim deve proceder o magistrado (BRASIL, 2023, s/p).

*Fernanda Santos é bacharela em Direito, especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG, especialista latu sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Rede Atame, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, especializanda em Docência Universitária pela Faculdade Serra Geral, entrevistadora do DM Jurídico, foi entrevistadora do Arena Criminal WEB, pela Rádio MID, capacitada em práticas colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC em 2018, capacitada em administração de conflitos e negociação pelo Centro Universitário Faveni em 2021, controller jurídico  do Grupo Pitterson Maris Advogados Associados, parecerista em matéria cível, filiada na Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Goiás, e da Associação Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das vítimas da COVID-19 – Núcleo Goiás, Vice presidente da Rede de Ação e Reação Internacional – RARI Núcleo Goiás (2021/2023), foi articulista do jornal Perspectiva Lusófona em Angola (2010/2012), articulista do jornal Diário da Manhã (2009/2019), com publicações veiculadas no site Opinião Jurídica (2008/2011) no site Rota Jurídica em Goiânia-GO (2014/2017), e no Jornal O Hoje (2022/2023), em Goiânia-GO, pela Revista Consulex (2014/2016), e com artigos publicados pela Revista Conceito Jurídico, e Prática Forense pela Editora Zakarewicz (2019). Foi membro efetivo da Comissão da Advocacia Jovem – CAJ, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás – OAB/GO – Gestão 2013/2015.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 28 maio 2023.

BRASIL. Novo Código de Processo Civil de 2015. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 28 maio 2023.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. Vol. 1. 3. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. ver. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.