Direitos dos médicos residentes: a realidade por trás da formação especializada no Brasil

Stênio Marques Ferreira*

A residência médica representa um dos momentos mais desafiadores e cruciais na formação de um médico. Após anos de graduação, o recém-formado é lançado em uma rotina intensa de trabalho e estudo, com carga horária elevada, remuneração limitada e responsabilidade crescente no cuidado à saúde da população. Nesse cenário, muitos residentes enfrentam dificuldades financeiras graves, especialmente quando precisam se mudar para outra cidade ou ainda lidar com dívidas do financiamento estudantil (Fies).

Ainda que amparados por leis específicas, como a Lei nº 6.932/1981, que regulamenta a residência médica no Brasil, diversos direitos dos médicos residentes continuam sendo ignorados por instituições públicas e privadas. Dois desses direitos, em especial, têm ganhado destaque nas discussões judiciais: o auxílio-moradia e a suspensão do pagamento do FIES durante a residência. Ambos são essenciais para garantir a permanência e a dignidade desses profissionais em formação.

No que se refere ao auxílio-moradia, recente decisão da Turma Nacional de Uniformização (TNU), no julgamento do Tema 325, estabeleceu que médicos residentes ou egressos têm direito ao benefício, ainda que não previsto em edital, sempre que a instituição não forneça moradia in natura. O valor do auxílio foi fixado em 30% da bolsa mensal, sendo irrelevante a situação financeira do residente ou qualquer requerimento administrativo prévio.

Essa decisão judicial reconhece que o auxílio-moradia tem caráter indenizatório, servindo como compensação por custos habitacionais inevitáveis, principalmente em cidades com alto custo de vida. Além disso, a jurisprudência estabelece que médicos que já finalizaram a residência podem pleitear o valor retroativamente, respeitado o prazo prescricional de cinco anos, o que é um alento para muitos que enfrentaram essas dificuldades sem amparo.

Outro ponto central é o direito à suspensão das parcelas do Fies durante o período da residência médica. Previsto expressamente no art. 6º-B, §3º da Lei nº 10.260/2001, esse direito alcança todos os médicos que atuem em especialidades prioritárias definidas pelo Ministério da Saúde, como Pediatria, Clínica Médica, Medicina Intensiva e Neonatologia, e etc. A medida visa evitar que esses profissionais abandonem a especialização por impossibilidade financeira.

Apesar disso, diversos médicos vêm sendo cobrados mesmo após realizarem pedidos administrativos de prorrogação da carência. Em casos concretos, residentes têm relatado que o valor da parcela do Fies ultrapassa R$ 3.000,00, praticamente consumindo toda a bolsa recebida. Muitos chegam a cogitar o abandono da residência ou acumulam dívidas que comprometem sua saúde mental e estabilidade futura.

Essas distorções revelam um paradoxo: o sistema exige dedicação integral, mas não oferece condições mínimas de permanência. O médico residente, que deveria estar focado no aperfeiçoamento técnico e científico, precisa dividir sua atenção entre plantões, boletos e tentativas frustradas de obter respostas administrativas. A consequência é o desestímulo, o adoecimento e a desistência.

Diante dessa realidade, é essencial que os médicos residentes conheçam seus direitos e busquem suporte jurídico especializado quando necessário. A via judicial tem se mostrado eficaz tanto para garantir o pagamento do auxílio-moradia quanto para suspender as cobranças indevidas do Fies, com base em decisões firmes de tribunais federais e da própria TNU. O direito à formação especializada não pode ser refém da burocracia ou do descaso institucional.

A valorização da residência médica passa, inevitavelmente, pelo reconhecimento desses direitos. O Estado, ao investir na formação de especialistas, colhe os frutos de um sistema de saúde mais eficiente e qualificado. Negar o básico aos residentes é comprometer o futuro da medicina brasileira e da própria população que depende do SUS.

Por isso, é urgente que instituições respeitem a legislação vigente, que gestores públicos assumam sua responsabilidade, e que médicos em formação sejam tratados com a dignidade que sua missão exige. Garantir o auxílio-moradia e a suspensão do FIES não é favor, é justiça. É a base mínima para que esses profissionais possam continuar cuidando de todos nós.

*Stênio Marques Ferreira é advogado, pós-graduado em Prática de Direito Administrativo Avançado.