Direitos da personalidade e a quebra do sigilo bancário

*Samuel Baeta Pópoli e Willian Darcoletto Ennes

Os direitos da personalidade são compreendidos como aqueles que permitem o exercício da individualidade de uma pessoa, como a vida, a intimidade, a privacidade, a integralidade, a liberdade, a sociabilidade, a honra e a autoria, entre outros.

São direitos personalíssimos que acompanham o indivíduo por toda sua existência, sendo, inclusive, responsáveis pela construção de uma relação jurídica existencial que garante e permite o exercício de uma vida digna perante às relações privadas.

Entre os direitos da personalidade se destacam os direitos à intimidade e à privacidade, que integram os direitos naturais. A privacidade está relacionada à ideia do que é particular e confidencial. Já o direito à intimidade é reservado exclusivamente para a própria pessoa.

Nesse sentido, em razão do chamado direito ao sigilo de informações, aquele que recebe dados de cunho íntimo e privado, assume a obrigação de não divulgá-los, seja por motivos profissionais, pessoais ou comerciais.

Assim, quando qualquer pessoa procura uma instituição financeira para contratar algum serviço ou adquirir produtos, o faz com base na confiança e credibilidade depositada naquele banco. Passa a existir, então, uma relação de intimidade entre o cidadão e a casa bancária. E com base na confiança e sigilo, devem ser resguardados, de forma ampla, todos os dados fornecidos, salvo se existir interesse público, social e de distribuição da Justiça que justifique a violação.

No ordenamento jurídico brasileiro, as instituições financeiras devem zelar pelo sigilo bancário de seus clientes, compreendendo todos os dados e não apenas aqueles relacionados às operações financeiras, respondendo por qualquer divulgação indevida, dever que também se estende ao Banco Central do Brasil.

Todavia, apesar da proteção constitucional e mesmo se tratando de cláusula pétrea, a proteção ao direito à intimidade e privacidade não é absoluta e, em casos excepcionais, pode existir a “quebra” do sigilo bancário.

Em regra, essa quebra é possível quando há indícios de crimes ou práticas ilegais, sendo utilizado com grande frequência em inquéritos policiais, processos judiciais e, ainda, em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), dentre outras situações.

Também é admitida a quebra do sigilo bancário na busca da efetivação do direito em processo judicial, valendo destaque à sua utilização nas diversas espécies de execução e cumprimentos de sentenças, na busca de endereços, bens passíveis de penhora ou arresto. Neste sentido, um dos sistemas mais utilizados pelo Poder Judiciário é o SISBAJUD, o qual substituiu o BACEN-JUD.

O maior alcance de dados e informações através do sistema SISBAJUD reacendeu a discussão sobre a quebra de sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro. Até que ponto Judiciário pode “violar” o direito à intimidade e privacidade em busca da satisfação de um direito?

Inicialmente cabe esclarecer que o sistema atual (SISBAJUD) não realiza apenas a ordem de bloqueio de valores em aplicações financeiras, como ocorria no anterior BACEN-JUD. Neste novo sistema, o magistrado pode “devassar” a vida pessoal do devedor e obter informações relevantes, tais como extratos bancários e de contas do FGTS e PIS, contratos celebrados, faturas de cartão de crédito e cópias de cheques, entre outros.

Deste modo, verifica-se que autilização do SISBAJUD coloca de um lado o interesse público em busca do princípio da efetividade e da celeridade processual e de outro lado o princípio da preservação da intimidade e privacidade, relacionados ao direito da personalidade.

Contudo, esse sacrifício dos direitos individuais é justificado apenas em casos excepcionais, podendo se sobrepor aos direitos fundamentais da privacidade e intimidade, amplamente protegidos pela Constituição Federal, ocorrendo então a quebra do sigilo bancário do devedor.

Nessa linha é ultrapassado o argumento de que a pesquisa e bloqueio de bens através do sistema SISBAJUD implica em ofensa ao sigilo bancário, vez que, conforme demostrado, a regra geral e protetora não é absoluta, podendo ser quebrada quando houver a prevalência do direito público sobre o privado, desde que observadas as formalidades legais.

Portanto, independente do ângulo que se analise a questão, verifica-se que a quebra do sigilo bancário em busca da celeridade e efetividade do processo judicial atende aos preceitos constitucionais e às normas previstas no Código de Processo Civil, cabendo ao Estado o dever de solucionar os litígios em prazo razoável, a fim de garantir a efetividade do direito tutelado, respeitando os limites do alcance dos direitos à privacidade e à intimidade.

*Samuel Baeta Pópoli (s.popoli@rochaleiteadvogados.com.br) e Willian Darcoletto Ennes (willianennes@hotmail.com) são advogados do Escritório Rocha Leite (www.rochaleiteadvogados.com.br)