Da responsabilidade civil médica

*Luiz Humberto Thomazelli Machado

Inicialmente, nos parece plausível, conceituar o que é “responsabilidade civil”. Para conceituar o referido instituto, invocar-te-emos o pensamento do ilustre doutrinador, Sérgio Cavalieiri Filho, no sentido de a responsabilidade civil ser uma obrigação legal que decorre da violação de uma obrigação legal primária.

No Brasil, o ordenamento jurídico estabelece os padrões necessários para o bom convívio social. Essas regras regem a responsabilidade civil e garantem que todos os que seguem as regras sejam indenizados por seus prejuízos, seja por meios amigáveis ​​ou judiciais.

Como resultado, a prestação de contas é extremamente crucial em nosso sistema jurídico. Era uma vez, fundado em regras e regulamentos para proteger aqueles que foram injustiçados e punir aqueles que causaram danos a outros ao desobedecer às regras.

Acompanhemos, agora, o que vaticina o artigo 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Pois bem, observando o que dispõe o artigo supradito, temos que são três elementos que norteiam a responsabilidade civil, quais sejam: conduta humana, nexo de causalidade e dano.

A Responsabilidade Civil Médica

É sabido que, hodiernamente, a profissão médica é uma das mais visadas na sociedade. Dito isso, é notório que todas as pessoas, em algum momento de sua vida, já tiveram ou terão contato com algum profissional da área da saúde em geral.

Diante da reconhecida dificuldade em adentrar ao curso de medicina, bem como terminá-lo; e, ademais, diante da seriedade do serviço prestado, é mais que reconhecida a tentativa de diminuir os erros causados no exercício profissional. No entanto, erros são cometidos; afinal, errare humanum est, e ninguém pode esperar infalibilidade desses profissionais. Estresse, autoconfiança excessiva, má-formação profissional, ou mesmo um pequeno período de desatenção podem levar a consequências irreversíveis para os médicos e pacientes.

Diante da excessiva quantidade de informações, que muitas das vezes atrapalham o serviço médico, os pacientes não aceitam mais informações adquiridas por osmose. Questionam, duvidam, querem aprender; sendo, por corolário, que estão cada vez mais cientes de seus direitos, procurando, acima de tudo, um atendimento médico de qualidade.

Dos direitos e dos deveres do paciente e do médico

Inicialmente, temos que é direito do paciente em ter atendimento médico, inclusive, de qualidade. Com isso, é evidente que é um direito do paciente recorrer ao judiciário, caso se sinta mau atendido, inclusive, pleitear o que lhe achar de direito. Da mesma forma que um paciente tem direitos, ele também tem responsabilidades a cumprir para proporcionar condições favoráveis ​​para o médico exercer suas funções, inclusive remunerando-; fornecendo todos os dados necessários para a formação da história clínica do paciente; e, obviamente, seguindo suas instruções. Com isso, impensável culpar o médico, alegando mau atendimento, visto que o próprio paciente não seguiu suas recomendações.

Além das obrigações de divulgação, consentimento e atendimento, o médico também tem as obrigações de: não abandonar o paciente sob seus cuidados, a menos que haja motivo justificável para não o fazer (artigo 39 da Resolução nº 2.217 de 2018); assegurar a continuidade do tratamento em caso de impedimento; e não recusar tratamento.

Da Responsabilidade subjetiva do médico

 A Lei nº 8.078/90 ( Código de Defesa do Consumidor), no seu art. 14, § 4º, manteve a regra de que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa.”

Com isso, a análise da responsabilidade do médico será feita pormenorizadamente, caso a caso.

Dessa forma a responsabilidade do médico é subjetiva, calcada na culpa stricto sensu (imperícia, negligência ou imprudência), condicionante, ainda, que, levíssima, obriga este profissional a indenizar a vítima (in lege aquilia et levissima culpa venit), pois em se tratando da vida humana, não há lugar para culpas “pequenas”.

Vejamos o que diz o importante artigo 949 do Código Civil:”Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

Conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pessoal dos profissionais autônomos será avaliada por meio de apuração de culpa, por constituir serviço de obrigação de meio e não de resultado. A violação de um dever contratual deve ser comprovada pela demonstração de que o médico agiu com imprudência, negligência ou impertinência, conforme estipulado no Código Civil, em seu artigo 951.

Acreditamos ser necessário pormenorzar o artigo supra dito, qual seja, o artigo 951 do Código Civil. Persequi: “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”

A responsabilidade do médico na utilização dos instrumentos que utiliza em todo e qualquer procedimento clínico decorre do princípio geral da responsabilidade do dono ou detentor do objeto, entendimento expressado por Andorn: “Pela utilização de instrumentos perigosos que causem danos aos seus pacientes responde o médico, tenha sido ele mesmo quem manipulou o instrumento ou o aparelho, ou seja um não-médico, seu empregado.”

Pois bem, mais uma vez, é necessário apurar a culpa do médico caso a caso, não colocando-o imediatamente na posição de malfeitor, punindo-o de maneira arbitrária.

Da negligência médica

Tecer-te-emos perfunctórios nortes a respeito dos componentes positivados no artigo 951 do Código Civil.

Negligência, grosso modo, significa: falta de cuidado; incúria; falta de apuro, de atenção; desleixo, desmazelo; falta de interesse, motivação; indiferença, preguiça.

Segundo Genival Veloso de França, a negligência médica caracteriza-se: “Pela inação, indolência, inércia, passividade. É um ato omissivo. O abandono ao doente, a omissão de tratamento, a negligência de um médico pela omissão de outro (um médico, confiando na pontualidade do colega, deixa plantão, mas o substituto não chega e o doente, pela falta de profissional, vem a sofrer graves danos. É a negligência vicariante); “

Como dito anteriormente, caracterizada a negligência, restará evidenciado o nexo causal da conduta, sendo, por corolário, o médico poder-se-á coadunar para o dano, consubstanciada, portanto, sua responsabilidade civil.

Da imprudência médica 

Agir com imprudência comporta uma boa dose de previsibilidade e de antevisão do evento – não obstante o que se acaba agindo assim mesmo. Na prática, estamos no campo da leviandade, da irreflexão, isto é, de uma conduta que supera os limites da prudência. E nenhuma diferença se divisa entre a imprudência comum e a imprudência profissional, de idêntico conteúdo.

Para Basileu Garcia: “consiste a imprudência em enfrentar, prescindivelmente, um perigo; a negligência, em não cumprir um dever, um desempenho da conduta; e a imperícia, na falta de habilidade para certos misteres.”

Na imprudência, há culpa comissiva. Age com imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, açodadas, precipitadas, sem usar da devida cautela, entendimento compartilhado pela mais nobre jurisprudência nacional.

Por fim, não há que se falar em imperícia médica, visto que a capacidade técnica médica é presumida. Ademais, em casos de especialidades, devem ser tratadas de forma pormenorizada, o que se contrapõe com este artigo, visto que se tratam de análises perfunctórias.

É perfeitamente possível que um médico responda por seus atos, caso estejam consubstanciados os requisitos da responsabilidade, quais sejam: dano, nexo causal e conduta humana. Ademais, geralmente, a responsabilidade civil é subjetiva, o que, na prática, configura que a responsabilidade civil do médico necessita da comprovação da culpa.

Em algumas áreas, vibe gratia cirurgia plástica, trata-se de uma obrigação de resultado, visto que o resultado é necessário e esperado pelo paciente; o que se contrapõe com a obrigação de meio, na qual o médico deve aplicar seus conhecimentos técnicos para melhor atender o paciente, não lhe prometendo nada.

Com isso, o médico não pode ser processado, caso o paciente não tenha sido curado do câncer, se ficar provado que o médico fez tudo ao seu alcance para evitar a proliferação da doença.

Tal tema é profundo e necessita de pormenorizações cada vez mais avançadas. A análise perfunctória serve para nortear e aclarar ideias antes preestabelecidas.

Hodiernamente, é mais que recomendada a advocacia preventiva, inclusive, para redação do tão famoso TCI (Termo de Consentimento Informado). Tal documento é a principal prova do médico em se resguardar de quaisquer problemas da relação médico-paciente; por isso, contacte com seu patrono de confiança para lhe orientar sobre a advocacia preventiva médica.

*Luiz Humberto Thomazelli Machado é advogado e Pós-graduando em Direito Médico.