Da nulidade da cláusula de tolerância na entrega do imóvel em construção, sob o aspecto da violação do direito à informação

Leandro MarmoOs consumidores que adquirem um imóvel em construção celebram um contrato com a respectiva construtora, o qual possui a natureza de adesão, ou seja, o consumidor não possui margem para discutir as cláusulas nele inseridas, apenas adere a elas.

Neste tipo de contrato, redigido pelas próprias construtoras, consta a data prevista para entrega do imóvel e, em regra, uma cláusula contratual lhes permitindo o atraso na entrega do imóvel por até 180 dias (úteis ou corridos) ou mais.

Tal previsão contratual implica em prévia restrição do consumidor a direitos decorrentes de eventual atraso na entrega do imóvel, como danos morais e materiais.

O entendimento predominante no Poder Judiciário é de que a cláusula contratual em comento é válida tendo em vista, em síntese, ser comum e recorrente a ocorrência de intempéries na construção civil, como falta de materiais, mão-de-obra especializada, atrasos na burocracia da emissão de licenças que podem impedir o cumprimento do prazo de entrega inicialmente estabelecido.

No entanto o que nos chama a atenção e que não tem sido objeto de discussão no Poder Judiciário diz respeito a nulidade da cláusula de tolerância no atraso da entrega do imóvel quando a mesma viola o direito à informação do consumidor. Sendo infelizmente essa a regra, inobstante o art. 6 do CDC preceitue que é direito básico do consumidor o acesso “a informação adequada e clara” sobre o produto ofertado.

Da cláusula de tolerância na entrega do imóvel em construção, diante da carência de informação clara e ou da propaganda enganosa na fase pré-contratual.

Primeiramente, tem-se como regra que os anúncios publicitários de oferta dos imóveis em construção, ao informarem a data prevista para conclusão e entrega do imóvel não fazem a ressalva de que existe um enorme prazo de tolerância, para atraso na entrega do imóvel, criando-se assim de imediato no consumidor a expectativa de que ao comprar aquele imóvel ele irá recebe-lo naquele mês e ano informado, e essa é uma informação essencial sobre o produto (art. 37, §3°, CDC), eis que a decisão de muitos consumidores se amparam justamente nela. Muitas pessoas realizam um planejamento familiar com expectativa na data informada para entrega do imóvel, como por exemplo casamento, contrato de locação, mudança de escola dos filhos, entre outros.

Diante da situação exposta de omissão quanto a existência do prazo de tolerância com o intuito de induzir em erro o consumidor, vislumbramos clara violação as normas consumeristas, eis que de acordo com o art. 31 do CDC a “oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas” e o art. 37, caput do CDC arremata dispondo em que “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva” e preceitua ainda em seus parágrafos primeiro e terceiro que “§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.

Em uma segunda análise, tem-se o momento prévio a celebração do contrato de compra do imóvel, em que um representante legal, geralmente um corretor do imóveis contratado pela construtora, irá realizar a apresentação do imóvel ao consumidor interessado em adquiri-lo, neste momento, se o consumidor já não houver sido informado pelos meios publicitários quanto ao prazo de entrega, o será informado pelo vendedor, o qual em regra também não o alerta sobre a existência do prazo de tolerância apenas informando sobre a data prevista para entrega e, por vezes persuadindo e convencendo o consumidor a adquirir o imóvel justamente em virtude da referida data.

Assim, diante da primeira e da segunda situação apresentadas verificamos que o consumidor por vezes é induzido em erro quanto a data em que o imóvel em construção deverá ser entregue, por não lhe ser repassado informação essencial de forma clara e adequada quanto a possibilidade de prorrogação por tempo considerável, o que configura carência de informação e ou propaganda enganosa, razão pela qual entendemos que ainda que a cláusula de tolerância conste no contrato, ela será nula ou simplesmente ineficaz nos termos dos art. 30 c/c arts. 18, 20, 22, 31, 33, 35, 46, 47, 48 e 51. XV do CDC.

Da nulidade da cláusula de tolerância para entrega do imóvel em construção, pela forma como é redigida no contrato.

Interessante analisarmos a nulidade/ineficácia da cláusula contratual em comento, diante da forma pela qual ela é redigida e inserida no contrato de adesão celebrado com o consumidor.

A primeira nulidade que existe na redação de praticamente todos os contratos dessa natureza circunscreve-se quanto a ausência de destaque para a cláusula de tolerância, ou seja, não é negritada, sublinhada, não possui grifo e, fonte ou tamanho maior da letra. Havendo neste caso clara violação do disposto no §4° do art. 54 do CDC, o qual preceitua que “§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”, portanto carente de destaque a cláusula é nula pelo disposto no art. 51, XV do CDC.

A segunda nulidade que constatamos ocorre quando o prazo previsto para a entrega do imóvel e a cláusula de tolerância são redigidos em pontos distintos do contrato, quando por exemplo informa-se na primeira página do contrato qual é a data prevista para a entrega, e na página 35 se insere a cláusula de tolerância permitindo a prorrogação para a entrega do imóvel.

Independentemente do tamanho do contrato e, se a cláusula de tolerância foi redigida com o destaque necessário (§4° do art. 54, CDC), tal estratégia tem nítido e indiscutível intuito de induzir em erro o consumidor, configurando profunda má-fé, dificultando e impedindo o acesso a informação clara e adequada. O art. 46 do CDC é expresso em dispor que “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores (…) se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.” E o art. 51, XV do CDC, igualmente aplicável, dispõe ser nula tal cláusula contratual.

Diante das reflexões expostas neste breve ensaio esperamos suscitar o interesse dos demais operadores do direito para que seja aprofundado e desenvolvido um debate jurídico mais amplo sobre a nulidade/ineficácia da cláusula de tolerância na entrega do imóvel em construção quando ela violar o direito à informação clara e adequada do consumidor.

*Leandro Marmo Carneiro Costa e advogado no escritório João Domingos e Advogados Associados