Da competência do juízo arbitral para decidir primeiro sobre a validade da cláusula compromissória

advogado Leandro MarmoÉ recorrente a inserção em contrato de consumo e adesão de cláusulas compromissórias de convenção de corte de conciliação e arbitragem, definindo a competência das cortes para julgamento de eventuais conflitos decorrentes da relação contratual, e afastando a jurisdição do Poder Judiciário.

Questão que deve ser analisada com cautelar concerne ao procedimento que deve ser observado para se discutir a validade da cláusula compromissória.

Será demonstrado, que a parte que entende ser nula a cláusula compromissória, deve primeiramente arguir tal questão perante a Corte de Conciliação indicada no contrato, e somente se a Corte não reconhecer a pretensa nulidade é que poderá a parte, em um segundo momento, recorrer ao Poder Judiciário para arguir a nulidade da sentença arbitral, tendo por fundamento a nulidade da cláusula compromissória, e então requerer que o mérito do litígio seja julgado pelo Poder Judiciário sendo este o entendimento predominante na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Se o jurisdicionado propor de imediato no Poder Judiciário ação questionando a nulidade da cláusula, irá incorrer no risco de ter seu processo extinto sem julgamento do mérito, sob o fundamento de incompetência absoluta do Poder Judiciário.

São raros os magistrados que entendem ser possível a submissão de imediato ao Poder Judiciário da questão relativa a nulidade da cláusula compromissória, sem antes ter havido a prévia arguição perante a Corte de Conciliação, deste modo, e tendo em visto o entendimento predominante na jurisprudência, vislumbra-se mais prudente a prévia submissão da questão perante a Corte de Conciliação.

Da competência do juízo arbitral para decidir primeiro sobre a validade da cláusula compromissória cheia:

É indiscutível que pode ser submetido ao Poder Judiciário a arguição de nulidade da cláusula compromissória, que define a competência exclusiva do juízo arbitral para dirimir eventuais litígios decorrentes de um contrato, todavia a questão que analisaremos de forma mais acurada, concerne ao momento e aos requisitos para arguição dessa nulidade perante o Poder Judiciário.

Há um princípio chamado de “competência-competência” (kompetenz-kompetenz, em alemão; compétence-compétence, em francês), de que o árbitro ou juiz é competente para decidir sobre a própria competência.

A competência é a forma como a jurisdição se espalha pelo território. A arbitragem é uma jurisdição separada da estatal, podendo ser denominada de jurisdição arbitral, gerada pela cláusula compromissória. Assim como ela, essa competência-competência tem efeitos positivo e negativo. O efeito positivo, de acordo com a doutrina, é aquela capacidade que o árbitro tem de deliberar sobre sua competência. O negativo significa dizer que o árbitro é o primeiro juiz[1] da questão.

A Lei de Arbitragem, não deixa margem para dúvida sobre a competência inicial do árbitro, em detrimento do Poder Judiciário, para apreciar em primeiro lugar a arguição de nulidade da cláusula compromissória. No § único do art. 8° da Lei 9.307/96 consta que:

“Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”(grifo nosso)

Assim sendo vemos claramente que compete primeiramente ao árbitro na corte arbitral decidir sobre a validade e eficácia da cláusula compromissória.

Ao comentar o art. 8 da Lei de Arbitragem, retro transcrito, a doutrina especializada de Luiz Antônio Scavone Júnior elucida que:

“O significado do dispositivo, portanto, indica que qualquer alegação de nulidade do contrato ou da cláusula arbitral, diante de sua existência e seguindo o espírito da lei, deve ser dirimida pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário. A lei pretendeu, neste sentido, “fechar uma brecha” que permitiria às partes, sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem e acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito. Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a nulidade do próprio contrato ou da cláusula arbitral, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, ainda que as partes tenham resilido bilateralmente o contrato e a controvérsia verse sobre o distrato. Este foi o espírito da lei (mens legis)[2]. (grifo nosso)

Se o árbitro acolhe o pedido e declara a nulidade da cláusula compromissória, ele reconhecerá que não é competente para julgamento da lide, e declarará que a questão em litígio deverá ser julgada pelo Poder Judiciário. Assim prevê expressamente o art. 20 da Lei 9.307/96 que:

“Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.

  • 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa. (grifo nosso)

Todavia, se o árbitro rejeitar a alegação de nulidade da cláusula compromissória e julgar o mérito do litígio, havendo interesse da parte em insistir na declaração de nulidade da cláusula compromissória, e portanto da incompetência do juízo arbitral, poderá ela recorrer neste segundo momento ao Poder Judiciário, buscando-se a tutela estatal para se declarar a nulidade da sentença arbitral, bem como, para que o Judiciário julgue o mérito de seu litígio. Nesse sentido dispõe o §2° do art. 20 da Lei 9.307/96 que:

“§ 2º Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.” (grifo nosso)

E complementam os arts. 32 e 33 da Lei 9.307/96 que:

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I – for nulo o compromisso;”

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.” (grifo nosso)

Portanto havendo cláusula compromissória, a parte poderá sim recorrer ao Poder Judiciário para que este declare nula a cláusula e julgue o mérito do litígio. Todavia, entendemos ser condição sine qua non, imprescindível, que primeiramente seja proposta ação perante a Corte de Conciliação, e somente se o juízo arbitral não acolher o pedido de declaração de nulidade da cláusula é que poderá se buscar o Poder Judiciário.

Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

O entendimento definido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é o de que a alegação de nulidade da cláusula compromissória deve ser submetida em primeiro lugar à jurisdição arbitral, sendo inviável a pretensão da parte de ver declarada a nulidade da convenção de arbitragem pelo Poder Judiciário antes de recorrer à Corte de Conciliação.

Visualizamos tal entendimento de forma muito clara no seguinte julgado do STJ, no qual consta que:

“A alegação de invalidade da cláusula arbitral e de incompetência do Juízo Arbitral não pode, com toda a certeza, ter sucesso. É que a matéria relativa a validade da cláusula arbitral deve ser apreciada, primeiramente, pelo próprio árbitro nos termos do artigo 8º da Lei de Arbitragem, sendo ilegal a pretensão da parte de ver declarada a nulidade da convenção de arbitragem pela jurisdição estatal antes da instituição do procedimento arbitral, vindo ao Poder Judicial sustentar defeitos de cláusula livremente pactuada pela qual se comprometeu a aceitar a via arbitral, de modo que inadmissível a prematura judicialização estatal da questão.” (REsp 1355831/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 22/04/2013) (grifo nosso)

No julgamento em epígrafe a Ministra Nancy Andrighi integrante da turma julgadora proferiu voto-vista complementando a posição do relator, afirmando que:

“É ainda de se ressaltar que as questões a respeito da existência, validade e eficácia da convenção arbitral, de qualquer espécie, são matérias a serem apreciadas pelo árbitro, em primeiro lugar, nos termos do art. 8º, parágrafo único, e 20 da Lei nº 9.307/96. Trata-se da kompetenz-kompetenz (competência-competência), um dos princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de decidir sobre a sua própria competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou do juiz estatal, no sentido de alterar essa realidade.” (grifo nosso)

Em outros julgados do STJ foi decidido igualmente que:

ANÁLISE DA VALIDADE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA “CHEIA”. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUÍZO CONVENCIONAL NA FASE INICIAL DO PROCEDIMENTO ARBITRAL. POSSIBILIDADE DE EXAME PELO JUDICIÁRIO SOMENTE APÓS A SENTENÇA ARBITRAL. (omissis).

  1. A cláusula compromissória “cheia”, ou seja, aquela que contém, como elemento mínimo a eleição do órgão convencional de solução de conflitos, tem o condão de afastar a competência estatal para apreciar a questão relativa à validade da cláusula arbitral na fase inicial do procedimento (parágrafo único do art. 8º, c/c o art. 20 da LArb).
  2. De fato, é certa a coexistência das competências dos juízos arbitral e togado relativamente às questões inerentes à existência, validade, extensão e eficácia da convenção de arbitragem. Em verdade – excluindo-se a hipótese de cláusula compromissória patológica (“em branco”) -, o que se nota é uma alternância de competência entre os referidos órgãos, porquanto a ostentam em momentos procedimentais distintos, ou seja, a possibilidade de atuação do Poder Judiciário é possível tão somente após a prolação da sentença arbitral, nos termos dos arts. 32, I e 33 da Lei de Arbitragem.
  3. No caso dos autos, desponta inconteste a eleição da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (CAMARB) como tribunal arbitral para dirimir as questões oriundas do acordo celebrado, o que aponta forçosamente para a competência exclusiva desse órgão relativamente à análise da validade da cláusula arbitral, impondo-se ao Poder Judiciário a extinção do processo sem resolução de mérito, consoante implementado de forma escorreita pelo magistrado de piso. Precedentes da Terceira Turma do STJ. 5. Recurso especial provido. (REsp 1278852/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 19/06/2013) (grifo nosso)

“1. DISCUSSÃO AFETA À CONSTATAÇÃO DE PREVISÃO DE CONVENÇÃO ARBITRAL PELAS PARTES. DESLINDE QUE GUARDA A POTENCIALIDADE DE DERROGAR A JURISDIÇÃO ESTATAL E, POR CONSEGUINTE, TORNAR INÚTIL TODA A ATIVIDADE A SER DESENVOLVIDA NO PROCESSO. AFASTAMENTO DA RETENÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. NECESSIDADE.   2. AGRAVO REGIMENTAL

PROVIDO. 1. (omissis). 1.1. A simples constatação de previsão de convenção   de   arbitragem   –   objeto   de   discussão   no   recurso especial   –   enseja   o   reconhecimento   da   competência   do   Juízo arbitral,   que,   com   precedência   ao   Poder   Judiciário,   deve decidir, nos termos do parágrafo único da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de   arbitragem   e   do   contrato   que   contenha   a   cláusula compromissória. Precedentes. 1.2. (…).” ( STJ AgRg no AREsp 371.993/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Gabinete Desembargador Olavo Junqueira de Andrade Rel.   p/   Acórdão   Ministro   MARCO   AURÉLIO   BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 06/11/2014) (grifo nosso)

PROCESSO CIVIL. CONVENÇÃO ARBITRAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ANÁLISE DA VALIDADE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA “CHEIA”. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUÍZO CONVENCIONAL NA   FASE   INICIAL   DO   PROCEDIMENTO   ARBITRAL. POSSIBILIDADE DE EXAME PELO JUDICIÁRIO SOMENTE APÓS A SENTENÇA ARBITRAL. 1. (omissis). 2. A   cláusula compromissória   “cheia”, ou   seja, aquela   que   contém, como elemento mínimo a eleição do órgão convencional de solução de   conflitos, tem   o   condão   de   afastar   a   competência   estatal para   apreciar   a   questão   relativa   à   validade   da   cláusula arbitral na fase inicial do procedimento (parágrafo único do art. 8º, c/c o art. 20 da Larb). 3. De fato, é certa a coexistência das competências dos juízos arbitral e togado relativamente às questões inerentes à existência, validade, extensão e eficácia da convenção de arbitragem. Em verdade – excluindo-se a hipótese de cláusula compromissória patológica (“em branco”) -, o que se nota é uma alternância de competência entre os referidos órgãos, porquanto a ostentam em momentos procedimentais distintos, ou seja, a possibilidade de atuação do Poder Judiciário é possível tão somente após a prolação da sentença arbitral, nos termos dos arts. 32, I e 33 da Lei de Arbitragem. (omissis) (STJ REsp 1278852/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 19/06/2013) (grifo nosso)

No mesmo sentido tem-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1302900-MG, REsp 1288251-MG, REsp 1279194-MG, REsp 1327820-MG e REsp 1311597-MG.

Portanto havendo interesse na declaração de nulidade da cláusula compromissória de convenção de arbitragem, deve a parte interessada arguir tal questão primeiramente na corte de conciliação e arbitragem, e somente após, de forma subsidiária, caso não seja acolhido seu pedido, é que poderá em um segundo momento recorrer ao Poder Judiciário, para pedir a declaração de nulidade da sentença arbitral, tendo por fundamento tal pedido a nulidade da cláusula compromissória.

[1] Lei nº 9.307/96, art. 20, caput: “A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”. Nesse sentido, Pedro Batista Martins, “Autonomia da cláusula compromissória” (Disponível em: <http://www.batistamartins.com/artigos/autclaucom.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2008): “As matérias de invalidade, inexistência ou ineficácia da convenção ou do contrato que contenha cláusula compromissória encerram a competência do árbitro para dirimir sobre sua própria competência. É ele o primeiro juiz a dizer sobre sua própria jurisdição”.

[2] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio, Manual de Arbitragem, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 87.

*Leandro Marmo Carneiro Costa é advogado no escritório João Domingos Advogados Associados